Alguns filmes se contentam em simplesmente contar bem uma história, com personagens cativantes, e que seja capaz de emocionar os espectadores. Não que isso seja ruim, muito pelo contrário: se o filme cumpre o que se propõe, que mal tem? Mas um pouquinho mais de ousadia também não faz mal a ninguém, e às vezes é o que pode levar um filme de “bom” a um patamar além de “excelente”. Brooklyn é o resultado desse dilema: um romance correto e fácil de assistir, mas que talvez pudesse ser um filme muito maior nas mãos de outras pessoas.

Neste caso, as mãos responsáveis pelo filme são as do diretor John Crowley e do roteirista Nick Hornby, que tornam Brooklyn uma obra apenas eficiente. Baseado no livro de Colm Tóibín, o longa acompanha a jornada de amadurecimento de Eilis Lacey (Saoirse Ronan), que decide trocar a pequenez de sua cidade-natal na Irlanda pelo mundo de possibilidades de Nova York, mais precisamente no bairro do Brooklyn, na década de 1950, para viver o tal do “sonho americano”.

Assim, uma série de temas comuns a qualquer um que tenha passado pela experiência de viver longe de casa são familiares ao espectador desde o início: a vontade de deixar determinado lugar, o doloroso sentimento de saudade do lar, a sensação de ser um peixe fora d’água em um país que você ainda não considera inteiramente como casa. São temas fáceis e inevitáveis de serem abordados, enquanto outros mais espinhosos aparecem apenas de maneira periférica, como os conflitos entre os imigrantes e a população dos EUA.

Afinal, Brooklyn não está à procura de grandes discussões, e prefere se concentrar na figura de Eilis e sua trajetória em busca da maturidade e de um lugar para chamar de seu. Neste ponto, Saoirse Ronan é de cara o grande acerto da produção: se já demonstrava seu talento natural desde pequena, como em Desejo e Reparação (2007), aqui a atriz tem a oportunidade de encarnar uma figura que pode parecer ingênua a princípio, mas se revela vivaz e determinada, ainda que sem perder a doçura. Mesmo quando o filme não colabora, Saoirse carrega sua atuação com atenção aos detalhes, com olhares e expressões que sugerem o universo de conflitos e contradições que se passam em sua cabeça – e por isso a câmera de Crowley faz questão de permanecer sempre próxima ao seu rosto.

O elenco secundário não fica atrás: Emory Cohen é puro charme, emulando com naturalidade um jovem Marlon Brando, o que só enriquece sua dinâmica amorosa com a protagonista. Em papeis menores, Julie Walters e Jim Broadbent surgem a princípio como figuras caricatas, assim como as moças da pensão em que vive Eilis, mas a impressão consegue se desfazer acertadamente ao longo do filme. Completando o time, temos o arroz de festa de Hollywood em 2016, presente em 9 a cada 10 filmes, Domhnall Gleeson, quase desperdiçado neste aqui.

O outro ponto alto de Brooklyn fica por conta da bela direção de fotografia de Yves Bélanger, que parte dos tons frios e dessaturados de uma Irlanda não mais interessante à protagonista para os tons pasteis e solares de Nova York, para depois reverter a situação quando, obrigada a voltar para a terra natal por acontecimentos da trama, Eilis reencontra em sua cidade uma sensação de nostalgia e acolhimento. O amadurecimento da personagem aparece também em seu figurino, à medida em que o verde irlandês dá espaço a um amarelo leve e toques crescentes de vermelho – não à toa Eilis é visivelmente uma pessoa diferente quando retorna à Irlanda, atraindo olhares de seus antigos vizinhos ao simplesmente usar um óculos de sol, por exemplo.

Com tantos acertos em jogo, é uma pena que o roteiro e a direção insistem em sabotar o próprio filme. Primeiramente, o roteiro de Nick Hornby, embora possua seu talento habitual de investir bem nas relações entre os personagens, comete o principal erro de atribuir as decisões de Eilis a circunstâncias sempre externas, acabando com a agência da personagem. Em vez de estar dividida entre dois lares, por exemplo, às vezes temos a sensação de que Eilis está dividida apenas entre dois homens, e que eles são necessários para sua completude. O cúmulo, porém, é a solução encontrada para que a personagem decida retornar aos EUA, um acontecimento simplesmente rocambolesco e desonesto, como se tivesse saído de uma novela do Walcyr Carrasco (porque se fosse Manoel Carlos até haveria esperança).

Se Hornby sabota o filme de um lado, Crowley sabota do outro, investindo numa direção que não conhece o significado de sutileza, com momentos em câmera lenta que simplesmente soam constrangedores ou determinados a forçar o espectador a chorar – como a cena da ceia de Natal para os desabrigados. Talvez a cena mais representativa disso seja exatamente o momento em que Eilis chega aos EUA, atravessando uma porta iluminada rumo à sua nova jornada – e Crowley pesa a mão e sublinha isso de todas as maneiras possíveis.

Entre tantas tentativas de sabotagem, Brooklyn ainda se salva e se mostra um filme fácil de assistir, com um tom feel good e de forte identificação com o espectador. Talvez a projeção do público de seus sentimentos na tela explique porque preferimos deixar de lado a série de equívocos da produção. O resultado é um romance correto com cara de Oscar, o que explica sua presença entre os candidatos, preenchendo assim a cota de produção britânica do ano – mas, mesmo com todos os seus defeitos, anos-luz à frente do concorrente do ano passado, A Teoria de Tudo, por exemplo.