Em 1997, três atores e dois diretores de cinema, todos jovens, foram à cidadezinha americana de Burkittsville, no Estado de Maryland, e a um parque estadual próximo, para filmar um pequeno projeto de terror. Eles nunca mais foram vistos… Brincadeira, foram vistos sim e o filme que eles conceberam, A Bruxa de Blair, lançado em 1999, foi bastante visto: tornou-se um fenômeno de popularidade e o longa independente de terror mais lucrativo de todos os tempos. Os criadores do longa, os cineastas Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, meio sem querer, meio de propósito, tocaram num ponto nevrálgico da narrativa cinematográfica: o eterno conflito entre “o que está no enquadramento” e “o que está fora”, como disse Martin Scorsese numa frase famosa.

Explico: A Bruxa de Blair era um exercício de terror fascinante porque nós nunca víamos direito o que estava acontecendo com aqueles três personagens, perdidos e assombrados por alguma coisa no meio da floresta. Por causa disso, os cineastas criaram um filme capaz de deixar aterrorizada parte da plateia, e a outra parte aborrecida: dependendo de com quem você fala, A Bruxa de Blair é ou um dos filmes mais assustadores de todos os tempos, ou um filme mal filmado e ridículo sobre umas pessoas perdidas no mato e que termina sem ninguém conseguir ver nada direito – eu pertenço ao primeiro grupo, caro leitor.

É muito difícil replicar esse impacto, e fazer essa estratégia funcionar de novo, mas isso não impede Hollywood de tentar: primeiro, com o hoje esquecido A Bruxa de Blair 2: O Livro das Sombras (2000), e agora com este novo Bruxa de Blair – sem o artigo. Myrick e Sánchez não tiveram envolvimento com o execrado segundo filme, mas retornam neste novo como produtores, e o roteiro e a direção ficam a cargo, respectivamente, de Simon Barrett e Adam Wingard.

A Bruxa de Blair estabeleceu a tendência: promoveu a explosão do formato found-footage, a “filmagem encontrada”. Já Bruxa de Blair apenas segue tendências. É um produto da nossa época, na qual propriedades são ressuscitadas apenas pela força da marca e da propriedade intelectual. É parte continuação e parte refilmagem do longa de 1999, com uma trama, de novo, simples: James (James Allen McCune) é irmão de Heather, a cineasta desaparecida do longa de 1999, e acha na internet imagens de uma cabana parecida com aquela na qual sua irmã despareceu. Ele até diz conseguir ver alguém refletido num espelho (Heather? A bruxa?). Acompanhado de alguns amigos, que querem rodar um documentário sobre a busca dele pela irmã, eles partem para Burkittsville para conhecer o sujeito que postou as imagens, e depois para a floresta onde a fita com as imagens foi encontrada.

Chegando lá, eles começam a andar em círculos e se perdem… E o filme também. É curioso o fato de que esta nova equipe de cineastas vai para a floresta munida de equipamentos modernos do século XXI: Eles levam um drone para captar imagens aéreas da floresta, GPS avançado, kit de primeiros socorros e pequenas câmeras GoPro instaladas por sobre as orelhas. Pena que, com exceção destas últimas, o próprio roteiro do filme não faz nada de interessante com essas inovações – as GoPro ao menos resolvem o problema do “Por que eles continuam filmando, quando a maioria das pessoas já teria largado as câmeras?”, sempre uma preocupação dentro do found-footage. Mas o drone, tão interessante, só é usado para preparar uma cena de morte não exatamente convincente.

Há outros elementos novos, mas eles parecem apenas jogados dentro da narrativa, sem cumprir nenhum propósito. Numa cena, vemos algo estranho saindo de dentro de um machucado no pé de alguém. Em outras cenas, fica clara a natureza circular do roteiro, interessante e apropriada à história de personagens perdidos na floresta, mas que adiciona um toque de ficção-científica ao roteiro: nunca pensei que escreveria isso, mas fizeram um filme da Bruxa de Blair com tons de viagem no tempo! E visto que no final aparecem umas luzes estranhas ao redor da cabana, talvez alienígenas não estejam fora do escopo do roteiro. Nada contra experimentações, mas essas ideias são esquisitas apenas pela esquisitice e deixam tudo apenas mais confuso, ao invés de intrigante e assustador.

Quando não está tentando dar uma de inovador, Bruxa de Blair se limita a repetir o que deu certo da primeira vez, como todo bom projeto atual de reboot de uma marca em Hollywood. De novo, todos começam a gritar uns com os outros quando se perdem, as figurinhas estranhas de madeira e os barulhinhos na floresta no meio da noite retornam, há um ou dois momentos de susto, e as coisas de novo se encaminham para a cabana. O desejo de Wingard e Barrett de refilmar o original é bem forte, mas eles não compartilham tão estritamente da noção quase sádica de Myrick e Sánchez de “não mostrar” – ora, no primeiro plano do novo filme já vemos alguma coisa, o que deve satisfazer aqueles que reclamaram da falta da Bruxa no original, mas decepciona todo o resto da plateia. Sinceramente, quando alguma coisa “entra no enquadramento” no novo Bruxa, a aparição inevitavelmente decepciona. Há uma cena na qual uma personagem morre de maneira súbita; a câmera treme com medo, claro, mas também se detém por alguns segundos sobre a vítima e o impressionante efeito da sua morte. Enquanto no original, o simples grito de Heather “O que é isso?!” enquanto corria na escuridão em 1999 era suficiente para causar calafrios…

Há uma boa cena – a do túnel – e algumas interessantes noções espalhadas aqui e ali, mas no fim este Bruxa de Blair não justifica a própria existência. O original, apesar do marketing do estúdio e de todas as questões extra-filme, era uma obra-prima da simplicidade e uma narrativa, no fim das contas, ousada e quase experimental.Bruxa de Blair é o original para consumo em massa, previsível e com um pouco mais de sangue e momentos espetaculares.  É uma típica continuação do terror: maior, com mais mortes e que se limita, na sua maior parte, a repetir o que deu certo antes. O que era pequeno, despretensioso e interessante virou lugar-comum – alguma coisa realmente se perdeu na floresta desta vez. Paradoxalmente, se perdeu porque andou muito na trilha já conhecida. E os poucos desvios só fazem o filme bater de cara nas árvores.