“Argo” conseguiu ser um filme bem-sucedido pela capacidade de Ben Affleck criar um thriller político divertido sobre um assunto complicado como a invasão da embaixada dos EUA no Irã. Porém, o vencedor do Oscar 2013 falhava ao colocar o povo iraniano como vilão da obra, dignos de poucas falas e atitudes radicais. “Capitão Phillips” poderia ter caído no mesmo erro e tratado os piratas somalis como monstros da humanidade. Porém, o longa estrelado por Tom Hanks utiliza o cenário do sequestro de um navio para explorar o abandono da África com a imposição americana e a diferença entre dois homens que parecem viver em planetas diferentes.

O diretor Paul Greengrass se recupera do fraco “Zona Verde” ao apostar na tensão de obras como “Voo United 93” e “O Ultimato Bourne”. Aqui, ele comanda a história do capitão de um navio cargueiro, Richard Phillips (Tom Hanks), sequestrado por piratas da Somália após a invasão da embarcação. No decorrer da trama, acompanhamos a negociação entre a Marinha dos EUA e os criminosos na tentativa de liberar o refém.

Adaptado do livro escrito pelo próprio Richard Phillips, o roteiro de Billy Ray (“Jogos Vorazes” e “Plano de Voo”) aposta as fichas no tenso duelo entre o líder dos piratas e o capitão sequestrado. Porém, antes do encontro, a obra estabelece pequenos detalhes entre o tipo de vida levada por ambos, dando complexidade à história. O americano mora em uma bela casa com a família, está em boa forma física, possui um importante e respeitado emprego no navio, onde pode desfrutar da cabine individual, tomar um bom banho e comer na hora que der vontade. Já Muse (Barkhad Abdi) dorme no chão de um barraco em uma favela da Somália, tem roupas sujas, empoeiradas, o rosto marcado pelos traços de magreza e trabalha como pirata para repassar dinheiro à gangue local.

Toda essa diferença social acaba sendo refletida durante as negociações do sequestro, já que o americano parece sempre capaz de antever cenários não imaginados pelo pirata. Esse antagonismo gera sentimentos dúbios entre os próprios protagonistas: Phillips percebe a ingenuidade e a encruzilhada em que os africanos se meterem ao mesmo tempo em que teme pela vida, enquanto Muse admira o refém pela inteligência, sabendo da necessidade de matá-lo caso seja preciso. O duelo também causa divisão no público, já que os dois podem ser encarados como vítimas: um de crime na acepção pura palavra e outro pela miséria humana a qual é submetido. Nada disso seria visível se não fosse o trabalho da dupla de atores excelentes da produção: Abdi se mostra uma grata revelação, enquanto Hanks consegue se livrar de uma fase lamentável e caminha para o terceiro Oscar da carreira.

“Capitão Phillips”, porém, se mostra mais do que um eficiente suspense montado com maestria por Christopher Rouse, parceiro de Greengrass desde “A Supremacia Bourne”. Em diversas tomadas, o diretor faz questão de mostrar o contraste entre o grande e milionário navio cargueiro sequestrado e a pequena lancha que transporta os piratas e, logo em seguida, o minúsculo barco contra as enormes embarcações da frota da Marinha dos EUA. Nestes trechos, fica clara a intenção de mostrar o poder americano perante os insignificantes africanos, sendo a violência a única forma de chamar a atenção para a tragédia humanitária ocorrida naquela parte do planeta.

Forte candidato a várias indicações ao Oscar 2014, “Capitão Phillips” seria um sucessor ideal para “Argo” ao trazer conteúdo político aliado ao entretenimento, além de resgatar Tom Hanks e Paul Greengrass.

NOTA:8,5