Escrito por Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala” se tornou um clássico da literatura sociológica do Brasil ao mostrar como as relações sociais se desenvolveram dentro do sistema de escravidão e patriarcalismo. A obra ressoa até hoje pela fácil adaptação dela aos dias atuais no convívio entre patrões e empregadas domésticas, além da distância social entre ricos e pobres.

O diretor e roteirista Fellipe Barbosa aproveita as discussões trazidas da literatura para realizar “Casa Grande”, drama sobre uma família rica do Rio de Janeiro que se vê em crise após o pai (Marcelo Novaes) arriscar em fundos de investimentos e perder o dinheiro. Isso leva a uma mudança nos hábitos com a redução no número de empregados, a economia no uso de aparelhos domésticos, o acúmulo crescente de dívidas. O público acompanha esse cenário a partir do ponto de vista de Jean (Thales Cavalcanti), adolescente com 17 anos com dificuldade para conseguir a primeira namorada.

A sutil apresentação com que o cotidiano da família faz a diferença na imersão do público em “Casa Grande”. Desde colocar a empregada Rita (Clarissa Pinheiro) quase sem espaço no quarto enquanto sobra lugar para família no casarão até o relacionamento mais afetivo entre o motorista Severino com Jean do que com o próprio pai mostra quão disfuncional e torta são as relações entre os moradores daquele local. Se os pais do rapaz priorizam as aparências e pouco ouvem o que o filho tem a dizer, o adolescente encontra proteção e liberdade junto àqueles que estão ali para prestar serviços, sendo possível escutar desde conselhos amorosos até como guiar a própria vida. Tudo isso feito sem grandes alardes ao apostar, por exemplo, na repetição das imagens de chegada dos funcionários à casa, no figurino submisso destes em contraste com a elegância dos patrões e na iluminação sem vida da cozinha com o ambiente clean da sala de jantar.

Se o trabalho com jovens atores funciona ao explorar o talento das revelações Thales Cavalcanti e Bruna Amaya para dar verossimilhança ao que vemos na tela, Fellipe Barbosa peca na condução dos momentos mais tensos ao apostar na uniformidade dos quadros, deixando a câmera distante da ação. Na briga entre pai e filho, por exemplo, o diretor permanece com a câmera sempre em plano médio quando se pedia uma câmera na mão para mostrar a derrocada daquela família. Por vezes, o mesmo problema resvala nos diálogos que soam pouco naturais para sair da voz de garotos com 16,17 anos. Apesar de válida, a discussão sobre cotas raciais se mostra forçada com o objetivo apenas de trazer uma posição dos realizadores sobre o tema, caindo no perigoso campo da divisão entre ricos e pobres tão mal explorada na campanha eleitoral deste ano entre Aécio Neves e Dilma Rousseff.

Mesmo com essas falhas, “Casa Grande” aborda de forma inteligente questões sobre esse Brasil em busca da modernidade ainda com vícios do passado. Gilberto Freyre se orgulharia do filme.