Continuando a série do Cine Set que revisita as representações gays de destaque no cinema, esta segunda parte aponta como esses personagens deixaram sua marca em filmes da Europa, Ásia e Oceania (a primeira parte, que trata do cinema americano, você encontra aqui).

“Meu Passado Me Condena”: o personagem de Dirk Bogarde na luta contra um sistema opressor

Pré e pós-guerra

Um dos primeiros países europeus a apresentar personagens homossexuais em seus filmes foi a Alemanha, que, com filmes como “Anders als die Andern” (1919), “Mikaël” (1924) e “Geschlecht in Fesseln – Die Sexualnot der Strafgefangenen” (1924), já dava conta de apresentá-los como personagens inteiros e no domínio de seus sentimentos. Ainda que sejam mostrados como figuras trágicas, ao menos não são tidos como doentes nos longas (pensamento comum na época).

A Europa voltou a se debruçar proeminentemente sobre o tema no pós-Segunda Guerra Mundial, com os ingleses “Meu Passado Me Condena” (1961), “Um Gosto de Mel” (1961) e “Domingo Maldito” (1971), servindo como marco do debate sobre o preconceito contra homossexuais.

“Meu Passado Me Condena”, em especial, causou um furor na Grã-Bretanha quando foi lançado, uma vez que a homossexualidade era ilegal na época (ela só foi descriminalizada por lá na década de 80) e mostra uma coragem dos realizadores de lidar diretamente com a sexualidade do protagonista, bem como com a perseguição que o sistema legal inglês impunha a ele por isso, apesar de ainda tratar a condição de maneira trágica. “Um Gosto de Mel” e “Domingo Maldito”, por sua vez, apresentam personagens gays simpáticos, com uma vida não restrita à sua verve sexual.

“Sebastiane”: curtição g0y na Roma Antiga

O surgimento do ‘cinema de autor’ gay

A partir do final da década de 1960, a Europa viu a ascensão de cineastas que inseriam a homossexualidade em seus filmes de forma ampla e natural, como os italianos Pier Paolo Pasolini e Luchino Visconti, os espanhóis Eloy de la Iglesia Pedro Almodóvar, o alemão Rainer Werner Fassbinder e o inglês Derek Jarman.

“Teorema” (1968), de Pasolini, por sua vez, mostrou a homossexualidade dentro de um espectro mais fluido de comportamento sexual ao contar a história de um hóspede misterioso (Terence Stamp) que seduz todos os membros de uma família durante sua visita.

“Morte em Veneza” (1971), de Visconti, e “Los Placeres Ocultos” (1977), de la Iglesia, contam histórias de homens mais velhos que se enamoram de garotos mais novos e héteros (é, nada de felicidade por aqui, mas pelo menos, os filmes foram sucessos).

Já Fassbinder povoa filmes como “O Direito do Mais Forte à Liberdade” (1975) com gays que estão longe de serem estereótipos, porém são figuras trágicas, oportunistas ou simplesmente azaradas, o que, em defesa do diretor, pode ser dito da maioria dos personagens de seus filmes, independente de sexualidade.

“Sebastiane” (1976), de Jarman, opta por uma releitura gay da história do santo católico São Sebastião, com direito a muitos homens seminus e erotismo mais exacerbado. Na década seguinte, Almodóvar estouraria com “A Lei do Desejo” (1987), um filme totalmente centrado em um diretor homossexual às voltas com um relacionamento obsessivo (que também não economizava nas cenas quentes).

“Priscilla, a Rainha do Deserto”: nunca mais "Finally", da Cece Penniston, foi ouvida da mesma forma

“Priscilla, a Rainha do Deserto”: nunca mais “Finally”, da Cece Penniston, foi ouvida da mesma forma

Enquanto isso, do lado de lá…

Na década de 70, “Min Gui” (1974) tinha conseguido explorar a construção da identidade gay na China de maneira interessante. Nele, um jovem do interior se muda para Hong Kong e se vê ganhando a vida como gigolô. Achando a situação degradante, ele encontra consolo na amizade com um cantor homossexual e se mostra cada vez mais confuso com relação a sua própria sexualidade. O filme termina com o suicídio do protagonista, mas não julga o coadjuvante gay.

A década de 1990, no entanto, viu filmes asiáticos de temática gay conquistarem plateias mundiais, ainda que suas abordagens variassem bastante, como o chinês “Adeus, Minha Concubina” (1993) e o taiwanês “O Banquete de Casamento” (1993).

O primeiro é uma saga épica que acompanha uma dupla de atores durante 53 anos de história chinesa, detalhando a angústia emocional que um deles sente por perceber sua verve gay (e seu subsequente suicídio). Já o segundo é uma comédia de costumes que explora o choque das culturas ocidental e oriental que se dá quando um taiwanês gay que mora em Nova York com um namorado se vê às voltas com um casamento heterossexual para agradar seus pais tradicionais.

Vindo da Oceania na mesma época, “Priscilla, a Rainha do Deserto” (1994) opta por mostrar homossexuais bem diversificados que se apresentam como “drag queens” e se metem em uma viagem pelas estradas da Austrália.

“Um Estranho no Lago”: sexo, mistério e um clima “eu quero uma casa no campo”

Depois de 2000

A década de 2000 pluralizou ainda mais as vozes internacionais apresentando personagens homossexuais. O português João Pedro Rodrigues investiu em gays fortemente sexualizados em filmes como “O Fantasma” (2000), o tailandês Apichatpong Weerasethakul mostra uma paixão gay de forma onírica e experimental em “Mal dos Trópicos” (2004) e o francês Christophe Honoré transporta o romance homossexual (com direito a triângulo amoroso) para o reino dos musicais em “Canções de Amor” (2007).

Essa variedade de retratos continuou na primeira metade da década de 2010, com filmes como o britânico “Weekend” (2011), trazendo um relacionamento gay moderno que não abre mão de ter a sexualidade retratada em cena, mas que se atém muito mais às visões de mundo e ao conflito de emoções do que plenamente ao sexo, e outros como o francês “Um Estranho no Lago” (2013), com cenas explícitas de atos sexuais e uma trama de suspense que foca no lado mais carnal da vida homossexual, situada num retiro de banhistas gays.

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