O jornalista Chico Fireman abraçou como poucos o ambiente virtual para a crítica cinematográfica quando a Internet começou a se popularizar no Brasil. Com seu blog Filmes do Chico, na ativa há 11 anos, ele traz produções variadas como resenhas, coberturas de festivais e listas de melhores filmes, unindo a tradição da cinefilia e a praticidade do meio. Em entrevista exclusiva ao Cine Set, o crítico aborda o início e o desenrolar de sua paixão pela escrita sobre filmes, a relação de crítica e Internet, suas atividades no Filmes do Chico e na Liga dos Blogues Cinematográficos, além de curiosidades sobre sua trajetória profissional. Cine Set: Como você iniciou na atividade de crítico de cinema? Chico Fireman: Cinema sempre me interessou e escrever sobre o assunto fez parte dos planos desde o começo, ainda que eu não tivesse a ideia de ser exatamente um crítico de cinema. Ainda em Maceió, quando estava na faculdade, ofereci colaborações para dois jornais locais (eram textos bem mais informativos do que opinativos) e, um pouco mais tarde, ganhei uma coluna semanal em um terceiro jornal, aí sim fazendo uma espécie de protocrítica (porque minha formação como cinéfilo estava começando a ficar mais ampla). Quando criei meu blogue, essa atividade passou a ser mais frequente, mas a princípio a ideia era mais fazer um caderno de anotações sobre cinema do que ser um crítico, que eu acho que é uma atividade que requer mais repertório e referências. Apesar de não achar que eu era exatamente um crítico, meu texto terminou assimilando muito da lógica de uma crítica de cinema e isso terminou fazendo um colega me indicar para a Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Abraccine. Cine Set: Você é alagoano, ficou um tempo em Salvador e agora atua em São Paulo. Essas mudanças contribuíram de alguma forma para a sua formação como cinéfilo? Fireman: Ser cinéfilo em Maceió, numa época antes da da internet e da TV a cabo, foi um desafio e me fez vasculhar a cidade atrás de VHSs mofados em locadoras escondidas e de acompanhar todo o movimento da cidade em relação a cinema (sessões de arte, pescar o pouco que chegava ao circuito, ir para a casa dos parentes para ver canais que não pegavam na minha casa, com a Band ou a Cultura, que não eram exibidas em Maceió). Salvador também me deu muitas chances porque era uma cidade que tinha mais espaço para cinema, mais salas reservadas para o circuito de arte. São Paulo foi a cidade fundamental. É a cidade fundamental. Porque me deu a Mostra Internacional de Cinema, que me apresentou cinematografias de todos os lugares do mundo, e me dá a cada ano, mês, semana a oportunidade de acompanhar festivais que devassam filmografias inteiras de cineastas, movimentos e países. Mas acho que hoje em dia ser cinéfilo está mais fácil porque tudo está bem mais acessível. Cine Set: Desde 2003, você mantém o blog “Filmes do Chico”. Imaginava que o projeto chegaria aos 11 anos de idade? Fireman: Nunca imaginei. Acho que ninguém começa um blogue pensando em quanto ele vai durar. Foi uma coisa do momento, uma brincadeira, um passatempo, que virou coisa séria pra mim. Mas demorou até eu perceber isso. Hoje minha relação com ele é quase orgânica. O Filmes do Chico faz parte da minha vida, da minha rotina mesmo. Cine Set: Como você encara a mudança do ambiente da crítica dos tradicionais impressos para a web? Fireman: Com naturalidade. É o novo espaço. É preciso se adaptar. Muda a linguagem, muda o estilo, mas a essência é a mesma. O perigoso, acredito eu, é a banalização. Ser crítico demanda uma formação e hoje muita gente se autodenomina crítico sem a bagagem necessária. Cine Set: A interatividade permite um contato muito mais próximo entre você e seus leitores. Como você lida com essa nova possibilidade para a crítica? Fireman: É interessante, mas nunca escrevo um texto pensando na repercussão. Acho que isso é um segundo estágio, mas bem importante porque o debate sempre contribui. Cine Set: Qual a situação mais curiosa que você já passou como crítico de cinema? Fireman: Um diretor de um filme escreveu um email longo, afirmando que me processaria porque eu o chamei de desonesto num texto. Ele havia dito que o filme dele, adaptado de uma peça dele mesmo, tinha sido traduzido para o cinema. Eu assisti ao filme, não acho que essa tradução foi minimamente decente e escrevi isso. Ele não gostou. Isso faz quase dez anos. No ano passado, uma cineasta leu uma nota de 5 linhas que escrevi sobre o filme dela (onde eu dizia que não poderia escrever mais porque achei as ideias do filme tão velhas que resolvi deixar a sala antes do final) e me deixou um recado no Facebook, furiosa. Foram situações bem chatas, mas que fazem parte do processo. O cineasta acha que é fácil alguém falar mal de seu trabalho. Mas dar opinião é trabalho do crítico. Cine Set: Também em 2003, você iniciou a Liga dos Blogues Cinematográficos, na qual críticos de todo o país votam para escolher os melhores filmes. Fale um pouco sobre essa experiência. Fireman: Naquela época, o início dos blogues de cinema no Brasil, todo mundo entrava no blogue um do outro e havia intensos debates nos comentários. Então, o pessoal que se “frequentava” era relativamente próximo. Propus a ideia, todo mundo gostou e estamos aí há 11 anos. Temos cerca de 70 integrantes de todas as regiões do Brasil e mais três de Portugal. Cine Set: Que conselhos você dá para quem quer se tornar crítico de cinema? Fireman: Eu acho que o conselho é o mesmo para qualquer profissão: é preciso empenho e estudo. Crítica de cinema requer um preparo, muita leitura, e, sobretudo, ter a experiência de ver muitos filmes. Neste caso, quantidade faz qualidade porque você criar um acervo, um arquivo, uma database que te explica um pouco da história, do mecanismo e das referências do cinema. Repertório ajuda a criar um bom crítico e hoje está bem fácil de se estabelecer um repertório com tantas fontes (cinema, DVD/blu-ray, TV a Cabo, Netflix, Internet e etc). Por fim, eu acho que é preciso ter um certo talento para escrever. Críticos com textos saborosos geralmente são os melhores.