E eis que, nesta semana, continuamos homenageando os monstros sagrados da atuação. Desta vez, com aquele que pode ser considerado o nome mais consistente da chamada “New Hollywood”: Dustin Hoffman.

Pra quem não sabe, “New Hollywood” foi o nome dado à geração de atores e cineastas que sacudiu o cenário americano nas décadas de 60 e 70, trazendo temáticas muito mais ousadas e desafiadoras do que o cinema bem-comportado e artificial de então (hoje em dia, curiosamente, as coisas voltaram ao que eram).

Nesse cenário, Hoffman – baixinho, franzino e aparentando ser ainda mais novo do que já era – conseguiu se tornar um improvável astro, com o enorme talento e uma determinação firme de se desafiar, enfrentando os personagens mais complexos e arriscando todos os gêneros, do drama histórico à comédia urbana, e construindo, no processo, uma trajetória extremamente bem-sucedida, e – o que é mais importante – sem sucumbir ao cansaço ou às escolhas questionáveis de, digamos, Robert De Niro e Al Pacino, seus mais importantes companheiros de geração.

Claro, Dustin não é infalível – confira o nosso Pior Filme para não ter dúvidas – mas, mais do que seus colegas, o ator provou que é possível conservar a centelha da grandeza, mesmo passado tanto tempo. Confira agora essa trajetória:

5. Tootsie (1982)

Muito antes de Robin Williams no tolo Uma Babá Quase Perfeita, Dustin Hoffman cortejou o absurdo de um “astro de Hollywood” (posição na qual ele nunca se sentiu confortável) deixar os grandes papéis para fazer uma comédia ligeira como um protagonista que se veste de… mulher?

Sim, isso mesmo. Tootsie, sucesso do ótimo, mas menos conhecido, Sydney Pollack, promove uma saudável desconstrução do ícone. A nítida diversão de Hoffman em viver o ator que se traveste para conseguir emprego contribui para a deliciosa atmosfera desse clássico dos anos 1980. O público brasileiro precisa urgentemente valorizar este trabalho, que, na última década, passou a conquistar a estima dos críticos e chegou até a ser considerado o “segundo filme mais engraçado de todos os tempos” pelo American Film Institute.

4. Rain Man (1988)

Presença infalível nas “Telas de Sucesso” da vida, Rain Man deve grande parte do seu apelo à atuação de Dustin Hoffman. Como o irmão “especial” de Tom Cruise (ele é autista), que se revela, para espanto de todos, um gênio dos cassinos (lembra aquela cena de Se Beber, Não Case? Pois é….), Hoffman dá mais um show, entregando-se ao papel com convicção espantosa.

O trabalho é lembrado por muita gente como o filme que tirou o Oscar de A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, mas, para mim, Rain Man continua sendo ótima diversão, cativante e comovente, além de um dos pontos altos na carreira do ator americano. Segundo Oscar de Hoffman (o primeiro foi por Kramer Vs. Kramer, em 1979 – leia mais em “Outros Filmes Notáveis”, no fim do texto).

3. Mera Coincidência (1997)

Um dos filmes menos conhecidos de Dustin Hoffman é também um dos melhores. Dirigido por Barry Levinson, o mesmo de Rain Man, Mera Coincidência, assim como o antecessor, também rendeu uma indicação ao Oscar, perdida para Jack Nicholson e seu maravilhoso Melhor é Impossível. O trabalho é, facilmente, um dos mais inspirados do ator: como um produtor de Hollywood contratado por um representante da Presidência (Robert De Niro) para forjar histórias que distraiam a população de um escândalo sexual (por sinal, o filme foi lançado meses antes do caso entre Bill Clinton e Monica Lewinsky. Mera coincidência?), Hoffman está simplesmente impagável. Assim como o filme.

Sátira implacável dos desmandos do poder e da manipulação da opinião pública pela mídia, Mera Coincidência é não só o melhor trabalho de Levinson, como um clássico dos filmes sobre a mídia, lá perto, embora sem a mesma temperatura, de A Montanha dos Sete Abutres e Todos os Homens do Presidente (outro grande trabalho de Hoffman, aliás – leia mais nos “Filmes Notáveis”).

2. A Primeira Noite de um Homem (1967)

Dustin Hoffman tem uma das melhores carreiras que um ator poderia desejar. Cinco décadas de respeito, de trabalhos memoráveis, de recusa à preguiça e à complacência. Mas seu papel mais lembrado continua sendo o do recém-formado Benjamin Braddock, de A Primeira Noite de um Homem.

Confuso, sem rumo após ter cumprido todo o projeto de sua família para si, Braddock descobre que não acredita em nenhum dos valores com os quais foi criado, que o mundo é muito mais vasto do que a comunidade estreita de sua infância e, o que é pior, não faz ideia do seu lugar nele.

Complementado pela música maravilhosa de Simon & Garfunkel, o segundo filme de Mike Nichols (de Closer – Perto Demais e Quem Tem Medo de Virginia Woolf?) foi uma bomba no cinema conservador e preso a fórmulas gastas dos anos 60. Mas foi Hoffman quem deu rosto e voz aos milhões de jovens insatisfeitos com a mentalidade rígida e tacanha da época. Até hoje, este é o filme definitivo sobre a entrada no mundo adulto.

1. Perdidos na Noite (1969)

Embora menos conhecido do que A Primeira Noite de um Homem, Perdidos na Noite é o trabalho mais intenso e lapidar de Hoffman. Como o doente e aleijado “Ratso” Rizzo, o ator vai fundo na degradação e no desencanto ao ciceronear o protagonista, Joe Buck (Jon Voight) pelo submundo cruel e devorador de Nova York.

Rodado com um orçamento minúsculo, o filme de John Schlesinger (Domingo Sangrento) é uma obra característica da “New Hollywood”, com sua fixação por tipos marginais e o lado escuro da América, em contraponto aos filmes artificiais e à alegria forçada dos Rock Hudsons e Doris Days da vida (sem desmerecer a grande cantora, porém). A força que faz a obra transcender sua época é a intensidade da dupla protagonista, especialmente de Hoffman, que nunca mais igualaria a performance alcançada aqui.

Ao longo de sua carreira, os dois primeiros sucessos de Dustin Hoffman definiriam o tipo de papel em que ele se sairia melhor: pessoas deslocadas, vulneráveis, à margem, que encontrariam no rapaz franzino, de origem judaica, sua expressão mais completa e cativante. Perdidos na Noite é, sem dúvida, o melhor exemplo disso.

O pior:

Entrando numa Fria maior Ainda com a Família (2010)

Cinquenta anos na estrada, Dustin Hoffman poderia se permitir alguns trabalhos menos exigentes e simplesmente fazer o que já sabe. Mas também não precisava se meter em algo tão ruim quanto Entrando numa Fria Maior Ainda com a Família.

Sequência de dois ótimos filmes estrelados por Ben Stiller e Robert De Niro, e com pontas deliciosas de Hoffman e Barbra Streisand no segundo episódio, Maior Ainda é um repeteco preguiçoso, vulgar, desnecessário e simplesmente constrangedor, que, tal qual Se Beber Não Case, fechou a franquia numa nota amarga.

Importante notar que mesmo fracassos anteriores como Ishtar (1987) e Hook – A Volta do Capitão Gancho (1991) foram marcados pela inquietude e ambição do astro. Neste filme, que tem cenas bisonhas como a demonstração de sapateado ao som de violão flamenco, Dustin apenas bate ponto. Evite.

Outros filmes notáveis de Dustin Hoffman:

Pequeno Grande Homem (1970)

Sob o Domínio do Medo (1971)

Papillon (1973)

Lenny (1974)

Maratona da Morte (1976)

Todos os Homens do Presidente (1976)

Liberdade Condicional (1978)

Kramer Vs. Kramer (1979) – talvez a ausência mais sentida desta lista, por ter dado o primeiro Oscar a Hoffman. Porém, enquanto há dezenas de artigos na internet sobre o valor (grande) deste filme, acredito que mais gente precisa conhecer e valorizar o subestimado Tootsie.

A Morte do Caixeiro-Viajante (feito para a TV) (1985)

O Quarto Poder (1997)

Mais Estranho que a Ficção (2006)

Perfume: A História de um Assassino (2006)

Tinha que Ser Você (2009)

A Minha Versão do Amor (2010)