John Williams tem duas faces. Assim como o diretor Steven Spielberg, com quem colabora desde os anos 1970, o compositor sabe ser sutil, melancólico, empolgante e até trágico – mas, vez por outra, prefere o efeito calculado, a emoção fácil, “apelativa”. Também como em Spielberg, o gênio de Williams é aparente até nos momentos mais rasteiros.

É uma parceria artística como nenhuma outra na história do cinema. Grandes trilhas existem desde o advento do som na telona – quem escreveu as partituras dos filmes do russo Sergei Eisenstein, por exemplo, foram os compositores Dmitri Shostakovich e Sergei Prokofiev, dois grandes mestres da música clássica. Outros talentos, muitos vindos da Europa durante o nazismo, também ajudaram a enriquecer as produções de Hollywood, dos anos 1930 em diante.

Mas a verdadeira revolução do gênero aconteceu nos anos 1960. Com nomes como Henry Mancini (Bonequinha de Luxo, A Pantera Cor-de-Rosa), Bernard Herrmann (Cidadão Kane, Psicose), Nino Rota (8 e Meio, O Poderoso Chefão) e Ennio Morricone (Três Homens em Conflito), as trilhas sonoras transcenderam as telas e se tornaram grande música, com vida própria em discos e concertos.

John Williams estudou com alguns desses mestres. Ainda jovem, sua formação musical o levou a trabalhar em Hollywood, onde logo nos primeiros anos emplacou um Oscar, com sua adaptação do musical Um Violinista no Telhado (1971). Mas foi o convite de Spielberg para escrever a música de Tubarão (1975) que lançou o compositor para a fama. O resto, como dizem, é história. História que você confere agora, em quatro marcos dessa parceria – uma das trilhas não é de Spielberg –, e uma obra equivocada, que mostra que até gênios são capazes de errar feio.

5 – Jurassic Park (1994)

Não só por ser um dos melhores filmes de Spielberg, mas essa é talvez a última grande obra de John Williams naquele estilo grandioso que marcou seus melhores trabalhos. A melodia inesquecível, presente em momentos marcantes do início e do fim do filme, continua sendo citada e parodiada ad infinitum em trabalhos alheios. Cuidado: ouvir é ter a certeza de não conseguir tirá-la mais da sua cabeça. Para mim, valeu a pena.

4 – Indiana Jones – Os Caçadores da Arca Perdida

O trabalho que firmou a parceria entre o compositor e Spielberg. Com uma sequência inicial eletrizante, sublinhada por uma trilha sonora inesquecível, Os Caçadores da Arca Perdida marcou a colaboração mais importante entre um compositor e um cineasta desde Sergio Leone e Ennio Morricone. São dois irmãos, em concepção e resultado, e o produto disso é um dos grandes clássicos do cinema de aventura.

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3 – Prenda-Me Se For Capaz

A trilha mais surpreendente do compositor.

Homenagem ao trabalho de Henry Mancini, professor de Williams nos anos 60, Prenda-me se for Capaz foge completamente ao estilo bombástico, tchaikovskyano, do músico. Sutil, escorregadia, a música casa à perfeição com a trajetória farsesca do protagonista Frank Abagnale, Jr. (Leonardo DiCaprio), além de sublinhar os créditos de abertura mais cool já bolados para um filme.

2 – Tubarão

O começo de tudo.

Steven Spielberg era um jovem diretor de filmes televisivos, que ganhou a chance de dirigir seu primeiro trabalho hollywoodiano (Louca Escapada, em 1974 – lembrando que Encurralado, de 1971, ainda pertence à fase da TV). Spielberg tinha se impressionado com a partitura de Williams para Os Rebeldes (1969), com Steve McQueen, e propôs a parceria.

No ano seguinte, o diretor se envolveu com um projeto longo e problemático, que envolvia um grande peixe de borracha e mortes sangrentas no mar. Para fazer jus ao desafio, Williams mergulhou na influência de Bernard Herrmann, o compositor de Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, e voltou com um tema simples, insistente – e aterrorizante.

Tubarão é provavelmente a trilha mais famosa da história do cinema, exemplo para todos os filmes de terror que vieram depois, mas não só – embora não seja uma audição agradável, é a realização exata daquilo que conhecemos como trilha sonora: um recurso que valoriza, que potencializa as imagens, e ajuda a tornar a experiência do filme infinitamente mais profunda. Imperdível.

1 – Star Wars

Eis a trilha mais bela e bem realizada de Williams. Desde o início estrondoso, que sublinha aqueles letreiros amarelos, soltos no espaço, a música de Star Wars é um show de temas históricos. Talvez inspirado pela música grandiosa de Richard Strauss em 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, John Williams solta a fantasia em temas para os personagens principais (como a inesquecível “Marcha do Imperador”, usada para o vilão Darth Vader) e cenários (a música para o planeta Bespin – aquele das nuvens –, em O Império Contra-Ataca, é uma das mais belas criações do compositor).

O sucesso recente da apresentação da obra pela Amazonas Filarmônica, no Teatro Amazonas, foi apenas mais uma mostra do quanto as criações de Williams continuam vitais e inspiradoras. Trilha sonora daquelas que dá para ouvir no carro, em casa, no palco, andando pela rua. Ironicamente, esta trilha inesquecível NÃO foi escrita para Steven Spielberg, e sim para a saga espacial de George Lucas. Bom, com os outros quatro lugares ocupados pelas parcerias com o diretor, Spielberg também não pode se queixar, né?

PIOR – O Terminal

John Williams não é unanimidade. Com toda a maestria das suas grandes criações, o compositor também é capaz de atuar no nível mais baixo, com trilhas sonoras bombásticas, melosas, óbvias, que nada acrescentam às imagens.

Depois do elegante Prenda-me se for Capaz e do kubrickiano Minority Report, ambos de 2002, John Williams vem redundando num estilo monótono, sem imaginação, que apenas enfatiza aquilo que Spielberg mostra com a sua câmera. Seus melhores momentos, nos últimos anos, acontecem quando ele faz um pastiche de suas grandes criações, como em A. I. – Inteligência Artificial (2001) e Munique (2005), ou cita grandes nomes do passado, como a homenagem a Max Steiner em Cavalo de Guerra (2011).

O momento mais fraco desse período, certamente, é a música óbvia e melosa de O Terminal (2004). O filme com Tom Hanks tem um bom mote, produção impecável, mas a trilha de John Williams apenas enfatiza a fraqueza da concepção de Spielberg. Como eu escrevi lá em cima, na arte, são dois irmãos – até mesmo nos piores momentos.