Pedro Almodóvar Caballero, o enfant terrible do cinema espanhol, tornou-se unanimidade.
Por uma dessas trajetórias que só o gênio explica, o cineasta excêntrico, autor de obras recebidas com escândalo, hoje é aclamado como um dos observadores mais sensíveis da condição humana.
Na linha de grandes diretores do passado, como Alfred Hitchcock ou Federico Fellini, o espanhol cria personagens e tramas facilmente reconhecíveis, um estilo que os fãs já batizaram de “almodovariano”: cores fortes, grandes papéis femininos, a presença recorrente do desejo por trás das ações dos personagens.
Nascido em 1949 na província de La Mancha (a mesma do romance Dom Quixote), Pedro Almodóvar apaixonou-se pelo cinema ainda na infância, mudando-se sozinho para Madri a fim de estudar na Academia local.
Nos anos finais da ditadura de Franco, ele se tornaria o membro mais famoso da chamada Movida Madrileña, um grupo de jovens artistas dispostos a sacudir o conservadorismo do regime.
Seus trabalhos, nessa época, eram marcados pela agressividade, com muito sexo, palavrões e tramas abertamente kitsch: críticos chegaram a tachá-lo de “a vergonha da Espanha”.
O jogo foi mudando à medida que o cineasta foi deixando o escândalo de lado e se aperfeiçoando em seu métier, chegando ao auge com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999).
Apesar disso, Pedro nunca abandonou suas marcas registradas, e segue, com coerência e fôlego admiráveis, a radiografar os meandros mais obscuros do desejo.
Seu último trabalho, lançado ano passado, é o thriller “A Pele que Habito”, no qual Almodóvar retoma a parceria com o astro Antonio Banderas, seu protagonista em outros cinco filmes.
Veja:
5. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988)
Após o início de carreira escandaloso, Pedro suavizou o approach com esse filme, uma comédia a um só tempo ingênua e ferina.
“Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” conta a história de Pepa (Carmen Maura), dubladora de filmes que é abandonada pelo namorado (Fernando Guillén) e sai em seu encalço.
Trazendo os elementos típicos do diretor (figurinos exuberantes, diálogos rápidos, personagens femininos marcantes) sem a mesma carga de sexo e provocação, o filme funciona como uma porta de entrada para o seu universo.
Outra comédia tipicamente almodovariana, “Ata-me!” tem sexo e diálogos matadores aos montes, mas é também o seu filme mais descaradamente romântico.
Victoria Abril vive Marina, ex-atriz pornô e viciada, que é feita refém por Ricky (Antonio Banderas), jovem recém-saído de um sanatório.
O absurdo das situações esconde um filme terno e afetuoso, em que até a relação dos protagonistas não soa nada anormal. Outra boa iniciação ao cineasta.
Pedro Almodóvar é conhecido como um “diretor de mulheres”.
Tal qual George Cukor e Rainer Werner Fassbinder, duas influências confessas, seus filmes retratam o mundo feminino, e são estrelados por mulheres fortes, decididas e independentes.
Por isso, tanto mais surpreendente quando o diretor se dedica aos homens. Neste thriller, a visão amarga de Almodóvar sobre o universo masculino resultou numa obra densa e intrigante, em que as surpresas surgem a cada cena, e nada é o que aparenta ser.
2. Tudo Sobre Minha Mãe (1999)
Uma mãe (Cecilia Roth) perde o filho em um acidente e vai atrás do pai, que os abandonou há anos, para dar a má notícia.
Com esse mote simples, “Tudo sobre Minha Mãe” marcou a consagração mundial de Almodóvar.
Distante do passado rebelde, o diretor preocupa-se apenas em criar bons personagens e uma trama envolvente. Saiu bem mais do que isso: trata-se de uma obra emocionante, inspiradora, um verdadeiro elogio à vida.
De bônus, traz ainda alguns dos diálogos mais divertidos do cinema recente.
Logo após a aclamação geral de “Tudo Sobre Minha Mãe”, Almodóvar se viu naquela encruzilhada que costuma ser motivo de aflição pros artistas: para onde ir agora? Será que dá pra fazer ainda melhor?
Pois o diretor, se sofreu com esse dilema, não parece: Fale com Ela é obra de um cineasta seguro, em pleno domínio de seus talentos.
Ao narrar a história de dois homens cujas mulheres estão em coma (interpretados por Darío Grandinetti e a revelação Javier Cámara), Almodóvar constrói uma trama tão sensível quanto insólita.
Impecável em todos os quesitos, do roteiro às atuações, da fotografia ao uso da música (com participações especiais de Caetano Veloso e da dançarina Pina Bausch), “Fale com Ela” é o cartão de visitas de Pedro Almodóvar, e a confirmação de seu nome entre os maiores cineastas desta ou de qualquer época.
Fuja!:
Andando no limite entre a elegância e a grossura, Pedro estaria sujeito a errar, mais cedo ou mais tarde. Pois, com “Kika”, ele errou feio.
Na esteira da revelação internacional com Mulheres… e Ata-me!, o diretor abusou dos seus elementos típicos: um exagero de cores, música, diálogos e figurinos, isso é “Kika”.
Tentativa deliberada de capitalizar em cima da “marca” Almodóvar, Kika foi imediatamente rejeitado por público e crítica, e parecia apontar para um declínio do diretor.
Felizmente, ele não demorou a se recuperar, engatando a série de obras-primas pelas quais é conhecido hoje.
Mas, que deu medo, deu.
Gosto muito das dicas do Renildo, ele é um entendor do assunto. Podem conferir que vocês irão gostar.
Concordo com a escolha dos filmes, mas sabe que até vi pontos interessantes em “Kika“! Apesar do filme ser bem sem noção, hehe.. Gostei da apresentadora de TV que já chega registrando tudo com sua câmera na cabeça, e faz mil perguntas em momentos inoportunos! Infelizmente existem comunicadores assim! Isso foi cômico no filme. 🙂
Também não acho “Kika” um desperdício, mas, de todos os filmes do Almodóvar, esse foi o único em que os defeitos acabaram sendo maiores do que as qualidades.
E obrigado, Anjos!
Digamos que o Antônio Banderas não fazia o marido (?) nem o a mante de Pepa Marcos em Mulheres à Beira de um ataque de nervos. Ele era o filho gago do amante.
Digamos também que, em fale com ela, Benigno não é marido da moça em coma…
Janaina, fica a errata sobre o Antonio Banderas. Cito ele várias vezes no texto, deve ser por isso a confusão. O nome do ator que faz o namorado da Pepa, Iván, é Fernando Guillén. Obrigado pela correção.
E o Benigno tem uma relação especial com a mulher em coma, que não vou revelar para não fazer spoiler, mas que, para simplificar no texto, coloquei como sendo mulher dele. Quem assistiu ao filme conhece a verdadeira natureza dessa relação.