O Homem das Multidões

O desacerto do homem com o mundo ao seu redor e a solidão ou conflitos causados por isso estão presentes em uma série de filmes neste 2014: “Ela”, “Nebraska”, “Quando Era Vivo”, “Praia do Futuro”, “Entre Vales”. A parceria entre o pernambucano Marcelo Gomes e o mineiro Cao Guimarães discute o tema neste sensível drama rodado em Belo Horizonte.

Tão fundamental quanto os personagens em cena, o silêncio acaba sendo protagonista das principais cenas do filme. A ausência de diálogos exerce o poder de apresentar o estado de pessoas fragilizadas e sem capacidade de externar isso. A dor interna do condutor de trem Juvenal (o competente ator Paulo André) faz com que ele vague pela cidade como se à procura de socorro por algum ouvinte ou estranhando que ninguém olhasse aquele problema grave dele. O espectador pode apenas ser testemunha de murmúrios soltos enquanto ele está na própria casa, não conseguindo também compreender na plenitude aquele sujeito e seus dramas.

A solidão, entretanto, não atinge apenas Juvenal e o silêncio. A falante Margô (Silvia Lourenço) mostra como a alegria transmitida com seu jeito e empolgação não passa de fachada para uma vida sem amizades, restando o sonho das paredes de quarto de adolescente e o pedido insólito para que o protagonista – colega de trabalho com o qual ela pouco tem contato – seja o padrinho de casamento dela. Mesmo forçado em determinados momentos, o encontro dos dois potencializa esse desespero da falta de comunicação.

Filmado no formato quadrado e com uma fotografia acinzentada, “O Homem das Multidões” ressalta esse desespero sem voz do homem nas grandes cidades, virando cidadãos apáticos sem saber como mudarem suas vidas. E nada mais apropriado que a bela canção de Gilberto Gil, “Copo Vazio”, para sintetizar esse sentimento.

NOTA: 8,0

O Menino no Espelho

Muito mais que homenagear o escritor Fernando Sabino, a adaptação de “O Menino e o Mundo” é uma homenagem do diretor Guilherme Fiúza ao jeito de ser infantil que ficou no passado. Tanto que a primeira confusão do jovem Fernando acontece ao tentar voar com uma aeronave caseira que acaba colidindo com uma tenda de venda de galinhas.

O espírito do filme brasileiro lembra “O Pequeno Nicolau”, porém, sem a habilidade do longa francês em desenvolver a história. “O Menino e o Mundo” traz um tom episódico de estripulias vividos pelo protagonista e colegas, passando de uma confusão para outra. Isso faz com que a relação entre Fernando e seu reflexo, além do convívio com os pais sejam pouco exploradas, desperdiçando o talento de Mateus Solano e Regiane Alves. Para piorar, o elenco infantil não convence, em especial, o jovem Lino Facioli que, mesmo com todo esforço, não possui muita expressividade para carregar o longa.

A obra somente não derrapa pelo acerto nas questões técnicas como figurino, direção de arte, trilha sonora e o clima pueril trazido tanto pela direção de Fiúza quanto pelo texto de Sabino. Ver jovens escalando árvores, correndo nas ruas, invadindo casas abandonadas para saber sobre o mistério de um fantasma, furando o teto da própria casa para ver a chegada linda prima da cidade grande lembram um período em que era permitido a essas crianças sonhar e apenas se divertir, longe de ser apenas o ideal de alguém ou presos em seus apartamentos e vidrados no videogame.

NOTA: 6,5

O Mercado de Notícias

Precisa-se ter muito cuidado ao analisar o novo filme do diretor Jorge Furtado. Conhecido por sucessos recentes do cinema brasileiro como “Meu Tio Matou um Cara”, “Saneamento Básico” e “O Homem Que Copiava”, o cineasta gaúcho volta para o documentário para tratar sobre a mídia do país em “O Mercado de Notícias”. O título faz referência à peça do dramaturgo inglês Benjamin Jonson sobre um jovem herdeiro que monta uma rede de notícias e acaba transformando essas informações geradas em um balcão de negócios.

Hábil diretor em dar dinamismo aos filmes, Furtado mescla trechos da peça encenada por atores escolhidos por ele com entrevistas de jornalistas renomados. A decisão deixa o filme sem soar cansativo e a escolha por pessoas capazes de comunicar com propriedade sobre o assunto e de forma direta ajuda para fazer “O Mercado de Notícias” atrativo para todos os públicos.

Questões importantes como o repórter cada vez mais preso na redação sem sair para fazer reportagens ou a entrevista vazia feita para elogiar a pessoa com grau zero de informação ou a fofoca como notícia são discussões batidas para quem é da área, mas, ainda importantes de serem colocadas no debate sobre o jornalismo atual. Isso vindo da boca de nomes importantes como Renata Lo Prete, Genetton Moraes Neto, Cristina Lobo, Fernando Rodrigues, Jânio de Freitas, Mino Carta, Bob Fernandes, Luís Nassif e José Roberto de Toledo enriquece “O Mercado de Notícias” ainda mais.

Jorge Furtado apenas tropeça quando busca colocar o governo do PT como vítima da perseguição das grandes corporações da mídia por não ser um partido vindo da elite. Evidente que se pode discutir a atuação de revistas (a Veja, por exemplo) e redes de televisão em vários casos como muito bem ilustrado no episódio da bolinha de papel atirada na cabeça do então candidato José Serra. Por outro lado, a impressão é que toda e qualquer crítica às gestões de Lula e Dilma eram frutos apenas desse desejo de tirar o PT do poder e não havia erros por parte do Governo Federal, como se os mesmos não tivessem gente que os defende no jornalismo de forma imediata a qualquer ataque (a Carta Capital, por exemplo).

O maniqueísmo prejudica o resultado final e deixa a sensação de desconfiança sobre as reais intenções na realização do documentário: o objetivo era discutir a imprensa ou utilizar a crise do jornalismo para mostrar como esses veículos considerados problemáticos pelo filme foram injustos com o PT?

A resposta, na minha opinião, está no misto dos dois fatores.

NOTA: 7,0