Sempre é triste ver uma ideia original ser processada pela máquina mercadológica de Hollywood até virar, como diz a expressão, carne de vaca. Embora seja divertido e eficiente, Círculo de Fogo: A Revolta, continuação da apaixonada homenagem de Guillermo del Toro aos mechas (animes estrelando robôs gigantes) e filmes de monstros típicos do cinema japonês, lançada em 2013, é apenas isso.

Com a estrela ascendente de John Boyega à frente dos trabalhos (ele também assina a produção do longa), A Revolta cria uma trama bastante preguiçosa para justificar sua existência, mas o elenco carismático e a direção enxuta de Steven S. DeKnight (da série Spartacus) conseguem oferecer um entretenimento competente, se totalmente desprovido de personalidade.

Dez anos depois da grande batalha contra os Kaijus (como são chamados os monstros gigantes que invadiram a Terra – e referência ao subgênero de filmes de monstros japonês iniciado pelo Godzilla de 1954), Jake (Boyega), o filho do lendário piloto de Jaegers (como são chamados os robôs gigantes no universo da saga) Stacker Pentecost (Idris Elba no filme original) se aproveita da destruição do mundo para roubar e vender peças de robôs a fabricantes piratas que querem construir seus próprios Jaegers. Assombrado pela figura heróica do pai, ele faz o possível para se manter à parte da força remanescente que ainda patrulha a Brecha, a fenda no fundo do Oceano Pacífico de onde saiu a primeira fornada de monstros. Numa típica caçada a peças, Jake se depara com Amara Namani (a novata Cailee Spaeny), uma adolescente pobre e em busca de uma figura paterna (como sói acontecer nos filmes de Hollywood) com um talento incomum para construir e pilotar os tais robôs.

Por caminhos tortos e mal-construídos, que eu não vou revelar porque são um spoiler pra metade do que acontece no filme, desta vez os próprios Jaegers são os vilões, controlados por forças malignas relacionadas às suspeitas Indústrias Shao, uma companhia chinesa liderada pela implacável Liwen Shao (Jing Tian, de Kong: A Ilha da Caveira [2017]) com o auxílio do também pesquisador Newt Geiszler (Charlie Day, reprisando seu papel do primeiro filme) – mais tarde, os Kaijus conseguem retornar à festa, pondo a existência humana mais uma vez em risco.

Estranhamente, Círculo de Fogo: A Revolta me remeteu muito mais ao recente reboot da série animada As Tartarugas Ninja do que à criação visionária de Del Toro. A profusão de cores e efeitos, o tom genérico e puxado para o humor dos personagens e situações, e, principalmente, a incapacidade do filme de permanecer na memória por muito tempo, têm seu correspondente mais próximo nas aventuras de Donatello, Michelangelo, mestre Splinter e companhia. Isso não é tanto um demérito como parece – os filmes das Tartarugas, principalmente o segundo, são divertidos, e bem menos irritantes do que, digamos, Jurassic World (2015) ou A Múmia (2017) –, mas só se ficarmos nessa baixa expectativa.

Ao menos, DeKnight, Boyega e companhia não descuidaram de manter o pique da aventura alto: as cenas de batalha em geral são muito boas, com planos suficientemente longos para se apreciar os embates de robôs com robôs e robôs com Kaijus – a última, nos arredores do monte Fuji, em Tóquio, ganha um crescendo de dramaticidade que quase ameaça tornar A Revolta um bom filme. Também não tenho reservas com o elenco – Boyega está cada vez melhor no papel de herói relutante, e seus parceiros de cena, Spaeny e Scott Eastwood, como o piloto certinho Nate Lambert (poderia também ser um cosplay de Clint, tal a semelhança do filho com o pai), conseguem ser carismáticos o suficiente para emprestar vida a seus papéis tão unidimensionais e estereotipados. Remanescentes do primeiro filme, como Rinko Kikuchi (como a piloto e líder da resistência humana Mako Mori) e Burn Gorman (como o cientista excêntrico Hermann Gottlieb) trazem boas lembranças do Círculo original. Só Charlie Day, como Geiszler, sai do protocolo: seu tom histérico – para não falar irritante – parece uma versão over do Sam Rockwell de Homem de Ferro 2, mas, ao mesmo tempo, é um alívio diante de um produto tão calculado, em que ninguém avança um dedo fora de suas marcas.

Como refeição cinematográfica, Círculo de Fogo: A Revolta é um hambúrguer decente, bem melhor do que o produto processado e cheio de colesterol e coliformes servido por Michael Bay na série Transformers – mas nada que se compare à artesania meticulosa e aos ingredientes finos manejados com encanto por Guillermo del Toro no esplêndido banquete de 2013. Como o começo de uma possível franquia – e parte de um tal MonsterVerse que vem sendo arquitetado pela Warner, iniciado com Godzilla em 2014 e Kong: A Ilha da Caveira –, as expectativas não são das melhores; espero que a criação de Del Toro não vire uma dessas franquias nefastas, que esticam e distorcem boas ideias em episódios cada vez mais bobos. Cruzem os dedos.