As comédias de Ernst Lubitsch (“Ninotchka”, “Ser ou não Ser”) possuem argumentos simples e que conseguem nos encantar facilmente. Isso ocorre, entre outros fatores, pelo carisma de seus personagens, a estrutura das histórias e o toque pessoal do cineasta. Deve ser por isso que, especialmente dos anos 1980 em diante, é possível observar referências as suas produções nas mais diversificadas comédias românticas. Em “Mensagem Para Você”, de Nora Ephron, é possível, por exemplo, perceber uma atualização de “A Loja da Esquina”, comédia de 1940 estrelada por James Stewart e Margaret Sullavan.
Baseado na peça homônima de Miklós Laszló, a trama acompanha Alfred Kralik (Stewart), vendedor experiente da Matuschek, uma loja de presentes de Budapeste. Kralik se corresponde anonimamente com uma jovem, sem saber que esta é Klara Novak (Sullavan), a recém contratada vendedora da loja com quem ele não tem um relacionamento amistoso. A ambientação da película se passa, na maior parte, dentro da loja, o que possibilita conhecer a história de outros personagens como o dono (Frank Morgan) e Pirovitch (Felix Bressart). Mais do que isso, somos convidados a estar com eles.
Entre um cochicho e outro de Pirovitch e Kralik, uma discussão cínica entre o casal protagonista e as interrupções abruptas de Matuschek, a câmera de William H. Daniels (“Vale das Bonecas”) nos torna o terceiro integrante da cena, o que contribui para criar intimidade e perpetuar o carisma dos personagens. A direção de Lubitsch chama o espectador para testemunhar as histórias narradas na loja. Sem recorrer a exageros ou a artifícios piegas comuns a esse gênero cinematográfico, o diretor alemão realiza um trabalho despretensioso, que emprega no grupo de vendedores um reflexo do mundo entre guerras.
Reflexo de um triste mundo
Embora a narrativa seja construída dentro de uma atmosfera cômica e natalina, também acusa o estado psicossocial a qual está inserida. Nota-se, no semblante dos personagens e nos diálogos travados, a solidão, a melancolia e a desesperança coletiva fruto das tensões iniciais da Segunda Guerra Mundial somados à crise de 1929.
De forma metafórica, o roteiro assinado por Samson Raphaelson utiliza a proximidade com os festejos natalinos para nutrir um arco dramático em que todos os personagens estão isolados emocionalmente e reagem a isso, mesmo que imperceptivelmente. Por isso, questões referentes a medo, limitações e desilusões se mostram tão presentes. Nesse escopo, a narrativa linear e sem grandes reviravoltas representa a condição existencial desse período histórico.
Lubitsch construiu uma pequena obra-prima em “A Loja da Esquina”. Sua história redonda e encantadora revela um filme simples e suave que é bem mais do que uma comédia romântica clássica: é um retrato de seu tempo.