Charlie Chaplin é lembrado como um dos grandes nomes da comédia mundial. E também por seu lado humanista. Nunca pensou duas vezes antes de colocar temáticas sociais em seus trabalhos, discutindo problemas como a pobreza e o valor da vida em suas obras. O intérprete de Carlitos fez muitas pessoas rirem, mas, soube como poucos quando buscar a lágrima em algum momento de suas películas.
Com a ascensão de projetos fascistas e autoritários na Europa dos anos 1920 e 1930, Chaplin não mediu esforços para apresentar ao público norte-americano sua visão dos horrores da sociedade nazista e de seu principal representante, Adolf Hitler. Em ‘O Grande Ditador”, o diretor ainda dispõe de um recurso que para sua filmografia era ainda inédito: o som. E soube realizar como poucos a escolha de quando usá-lo.
O longa começa em cenário de guerra onde um personagem com os trejeitos de Carlitos (duramente todo o filme não se diz o nome dele, é apenas chamado de “O Barbeiro”) aparece oferecendo apoio para uma equipe de artilharia do exército da Tomania (uma paródia da Alemanha) na Primeira Guerra Mundial. Visualmente relembrando películas antigas da era muda, esses primeiros momentos se constroem a partir do humor físico próprio das obras de Chaplin. Atrapalhado, sem entender muito bem o que está fazendo e sem nenhuma ideia sobre suas “obrigações” naquele espaço, é interessante notar seus comentários sobre o próprio absurdo de um campo de batalha: um lugar sujo, onde as pessoas devem agir como máquinas para que outras pessoas que eles nunca antes conheceram, possam se vangloriar do sangue que ali estão derramando.
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E isso é representado de maneira sutil, na melhor maneira que Chaplin compreendia a sua forma de expressão. Sem se aproveitar totalmente de falas e do som, ‘O Barbeiro’ reage ao mundo e suas explosões e gritos de oficiais do exército, enquanto que o herói de “O Grande Ditador” apenas responde de forma monossilábica. Um inocente e ingênuo lançado em um ambiente hostil e de terror.
Para se contrapor a esse primeiro cenário e primeiro personagem, “O Grande Ditador” faz um salto temporal: o personagem de Chaplin sofre um acidente de avião e permanece longos anos em um hospital com amnésia até que consegue fugir e voltar para sua casa e trabalho como Barbeiro. O problema: ele não acompanhou a ascensão de Adenoid Hynkel, ditador da Tomania, e mora justamente em um bairro judeu, sendo ele próprio parte dessa religião. É aqui que as coisas começam a ficar interessantes visto que Adenoid Hynkel é interpretado também por Chaplin. E se em um primeiro momento vemos um Chaplin quase mudo nos primeiros minutos, como Hynkel pode-se esperar todo o exagero discursivo de um fascista. Inclusive de forma bastante cômica já que o discurso de Chaplin ali é um pseudo-alemão pesando bastante na gritaria e em momentos de tosse disfarçadas de discurso. Utiliza as armas do fascismo contra ele mesmo.
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A versatilidade de Chaplin em interpretar uma pessoa simples e um ditador inescrupuloso são louváveis, visto que este é um filme que foca bastante nos contrastes. Não perde tempo em tentar encontrar na razão um caminho para explicar as ações de seus personagens e se entrega totalmente a emoção para tirar o máximo sobre aquilo que quer discutir. É representação, é de cinema que Chaplin entende. Não se entrega a um cinismo barato querendo encontrar meio termo para as soluções que quer abordar.
A personagem de Hannah (Paulette Goddard) é o exemplo máximo disso: não busca abaixar a cabeça para os policiais nazistas que rondam o seu bairro e sempre procura ter a última palavra, mesmo que seja por algo inútil. Não é de se esperar o seu interesse pelo Barbeiro quando este reaparece e por sua própria falta de contexto sobre o que está acontecendo na Tomania entra em conflito com dois policiais que escrevem com tinta a palavra “judeu” na janela de sua barbearia.
CHAPLIN CLÁSSICO E CHAPLIN INOVADOR
“O Grande Ditador” acaba se construindo sobre uma balança: ora abraçando o humor exagerado, ora abraçando o melodramático. Cenas como Hynkel tentando se impor como alguém mais alto sobre seu colega Benzino Napaloni, ditador de Bacteria (referências ao italiano Benito Mussolini) em uma briga usando cadeiras de barbearia se contrapõem a momentos onde Hannah é atacada por policiais com tomates.
Claro que deve ser questionado até que ponto essa imposição da emoção sobre a razão é lançada no filme já que em um momento o personagem de Chaplin vai para a cadeia junto com o oficial Schultz (Reginald Gardiner). Este sendo um homem que o protagonista salvou na guerra e agora é um oficial nazista, que mantém seus laços afetivos acima de qualquer ideologia. Um nazista segue sendo um nazista, e se chegou a ser oficial é porque pôde explorar o sistema desumano do nazismo para subir na hierarquia. Entende-se a mensagem do afeto, mas aqui ela chega em um ponto bem questionável.
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Como comédia, “O Grande Ditador” extrai a síntese sobre ditaduras: pessoas idiotas e folclóricas cujo cargo sobe à cabeça e se veem como deuses. Talvez até não se vejam dessa forma, mas suas ações contam para trazer essa visão ao público. É simbólico a cena em que Hynkel brinca com um globo terrestre para demonstrar sua indiferença com a humanidade. Todos devem dançar com ele, conforme dita a música no salão.
Em tempos tão complicados como aqueles de 1940, Chaplin encontrou ali uma maneira de utilizar sua arte para trazer seus comentários e visões sobre tudo aquilo. Trabalhando em cima de contrastes, pôde mostrar ao público como seria viver em um mundo onde o amado Carlitos poderia ser tratado. A imagem clássica do Vagabundo não é jogada à toa aqui claramente: tantos se divertiram ao ver Carlitos amando, fugindo de policiais, fazendo as mais diversas maluquices. Seria ainda divertido saber que Carlitos poderia morrer simplesmente por causa de sua religião? Da cor de sua pele? De seu estrato social?
É aqui que reside o maior ganho deste filme: entrega ao Barbeiro deste filme a imagem de Carlitos, monossilábico, um “clássico Chaplin” que todos conhecem; mas também entrega um outro Chaplin, repaginado, falante, um outro personagem, um monstro. Usa de sua “estreia” no cinema falado, como forma de crítica. E que crítica.