Closer é um filme de personagens que vivem presos a acontecimentos passados, machucando-se mutuamente através de mentiras e sessões de brutal sinceridade, sempre tendo como assunto os relacionamentos (sexuais) entre aquelas figuras.

Clássico, impactante, poderoso desde a primeira cena – Natalie Portman e Jude Law andando pelas calçadas abarrotadas de Londres flertando um com o outro ao som de The Blower’s Daughter, de Damien Rice – Closer é dos filmes de relacionamento mais complexos que o cinema já viu, contando com personagens bastante específicos, mas ao mesmo tempo terrivelmente humanos e reconhecíveis.

Baseado numa peça teatral de Patrick Marber (que também adaptou o texto e escreveu o roteiro), conhecemos o escritor Daniel Woolf (Jude Law) tirando fotos para o seu primeiro livro com a fotógrafa Anna (Julia Roberts). Nessa sessão os dois recém-conhecidos atraem-se um pelo outro, beijam-se, e iniciam uma estranha relação, que logo é descoberta por Alice (Natalie Portman), namorada do escritor. Em algum momento depois, Anna conhece Larry (Clive Owen) através de uma situação criada por Daniel, e os dois iniciam um relacionamento, que sempre terá a sombra do seu “cupido”. A partir desses acontecimentos iniciais, os quatro personagens envolvem-se um na vida dos outros, desentendendo-se de maneira dolorosa, sendo sempre conduzidos pelas emoções que se afloram por conta do que foi, ou não foi, vivido entre eles.

Assim como já fizera no clássico Quem Tem Medo de Viriginia Woolf (1966), o diretor Mike Nichols compreende que a força do filme está na relação entre as personagens, e em como elas demonstram, cada uma a sua maneira, amor, desprezo, ódio, e vontade de ferir o outro.

Olhando em retrospecto, torna-se evidente a escolha de Nichols para o projeto. O diretor que também dirigiu outro clássico, A Primeira Noite de Um Homem (1967), estava em baixa na carreira há algum tempo, e através de Closer o seu nome voltou a ser lembrado e respeitado.

É impossível pensar neste filme sem levar em consideração o meticuloso trabalho do diretor na condução das cenas e na direção de atores, o seu ponto forte. A direção não chama a atenção para si através de efeitos de câmera ou montagem. O seu trabalho é o de alguém que valoriza a força de uma cena em que duas pessoas conversam em uma sala, ou o de alguém que faz um filme em que o assunto principal é as relações amorosas e sexuais entre os personagens, sem que nenhuma transa seja filmada, pois entende que o filme trata sobre o que vem depois disso, e que isso tem muito mais potência do que qualquer artifício externo que represente a “mão” de um diretor no filme.

Uma determinação que alguns manuais de roteiro dizem é que o bom personagem precisa querer uma coisa quando no fundo necessita de outra. Certamente isso se aplica aqui. Anna parece o tempo inteiro querer provar para si que é uma mulher madura, decidida, que só quer ser feliz, sem se meter em problemas, quando na verdade está sempre presa a algum resquício de relacionamento do passado que a impede de ser feliz no presente, porque o futuro parece incerto demais com tantas dúvidas na cabeça, e ela consegue sempre se sabotar na hora de finalmente conseguir o que necessitava. Daniel é um homem sonhador dividido entre dois amores, sempre movido de maneira quase irracional pelos seus instintos, e quando finalmente parece decidido a ficar com quem ama, acaba preso a questões passadas que não podem ser mudadas, por uma necessidade romântica de saber a verdade, que não trará tranquilidade para ninguém. Alice aparenta ser uma mulher livre, independente, que não se prende a superficialidades, nem a relacionamentos que cobrem algo que ela não quer dar, quando na verdade está presa de maneira abusiva a Daniel, impedindo que a sua vida siga adiante. E por fim temos Larry, o único personagem que contraria essa regra. Pragmático, ardiloso e determinado, Larry vive a vida real, não perde tempo com romantismos, e faz tudo o que estiver ao seu alcance para conseguir o que quer, manipulando os fatos a seu favor, sujando as mãos sempre que necessário.

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A estrutura, trazida da peça de teatro, foi pensada para potencializar as relações entre os personagens, dividindo a trama em blocos de longas conversas, fazendo com que cada personagem interaja com cada outro em algum momento, aumentando as informações sobre aquelas pessoas, para que assim a impressão que temos sobre eles permaneça sempre viva, em movimento, com informações novas e surpreendentes, com todo o rancor, amor, ódio, tesão que acontece entre eles presentes em cada frase.

As constantes passagens de tempo movimentam a história de maneira necessária e elegante, situando bem o espectador sobre cada novo momento, sobre o que ele representa e de que maneira ele movimenta a história a partir dali. Quando se compreende a estrutura fica uma expectativa sobre como a história vai ser mudada a partir dali, e a espera é sempre muito bem recompensada com um rumo novo, muito bem pensado, que respeita os seus personagens.

E tais cenas variam desde mentiras absurdas (como na divertida cena do bate-papo na internet) até a sequências que envolvem a sinceridade mais brutal possível. Closer convive o tempo inteiro com as verdades e mentiras que os personagens dizem, e como eles alternam isso de uma maneira extremamente fluida e natural. Exemplo disso é a (única) sequência intercalada em que Daniel e Anna terminam os seus relacionamentos com Alice e Larry. O que era, num momento inicial, apenas uma conversa cotidiana, banal, de companheiros que se reencontram, transforma-se numa avalanche assustadora de revelações dolorosas sobre mentiras escondidas no passado, que vão desde um egoísmo extremo, “Eu acho que vou ser mais feliz com ela” até a uma sessão dolorosa de perguntas íntimas como “Ele transa bem? Melhor do que eu? Tomou banho por que transou com ele antes de eu chegar? Você me amou? Transaram aqui na casa? Onde? Pensou em mim na hora? Em que momento? Você gozou? Quantas vezes? Em que posição? Se masturba pensando nele? Gosta de chupá-lo?”. Sem contar a cena do consultório, já na parte final do filme, quando a estratégia de um está escancarada para o outro e não há nenhum motivo para fingir mais nada.

Na minha opinião deveria ser criado um prêmio para Melhores Diálogos para premiar Marber por este trabalho. É muito difícil encontrar um filme tão bem sucedido nesse aspecto, ainda mais num trabalho que depende totalmente do sucesso desse elemento para conseguir o seu objetivo. Diretos e cruéis quando precisam ser, na mesma proporção que leves, escorregadios, cheios de rodeios e coisas não ditas quando a cena precisa.

Mas é claro que é impossível falar desse filme, e do êxito extraordinário que ele é, sem citar do seu elenco. Apresentando um domínio tão completo dos seus personagens, me atrevo a dizer que aqui estes atores têm as suas imbatíveis melhores atuações de suas carreiras, mesmo levando em consideração que tratam-se de intérpretes dos mais talentosos de Hollywood (principalmente Law, Roberts e Portman).

Devo admitir que me incomoda a opinião geral de que, mesmo que o elenco todo esteja ótimo, os destaques são Natalie Portman e Clive Owen. Discordo totalmente. Tal sentimento se deve, acredito, pelo fato destes terem interpretado os personagens mais ativos, que mais se expunham e demonstravam os seus sentimentos. Mas a partir disso dizer que as atuações são melhores do que a do outro casal, não vejo dessa forma. Aliás, é sempre complicado comparar qualidades de interpretação, ainda mais num filme como Closer em que a força de um personagem está diretamente associada a troca que ele tem com os demais.

Tranquilamente afirmo que o sucesso deste filme, na questão das atuações, está no fato dele ter 4 atores em excelente forma que entendem que não há como o filme funcionar sem o sucesso do outro. Há uma evidente generosidade cênica em cada segundo de projeção, conduzida por atores que estão rigorosamente no mesmo nível de domínio e compreensão do que a história diz, e do como isso deve ser colocado.

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Filme de amor maduro, para adultos, Closer pode causar incompreensão e desconfiança em algumas plateias, outras podem não enxergar tanta complexidade nas relações que estão na tela. Mas assim são as relações amorosas, repletas de coincidências, incoerências, mentiras e verdades incômodas. O tempo está a favor deste já, imediato, clássico, que é um daqueles filmes para sempre.