AVISO: o texto contém SPOILERS

“Como Eu Era Antes de Você” estreia sendo vendido como o romance açucarado da temporada. Não deixa de ser e guardar semelhanças enormes com filmes do gênero. A adaptação do best-seller de Jojo Moyes, porém, guarda aspectos trágicos que, apesar de serem relegados ao segundo plano, acabam por enriquecer a trama.

Dizer que “Como Eu Era Antes de Você” não é original é mais óbvio que a política brasileira ser um mar de corrupção ou Dunga não ser o treinador ideal para a Seleção. De cara, não dá para ver o longa sem dissociar de obras como “Love Story” e “A Culpa é das Estrelas” com, pelo menos, um protagonista enfrentando problemas de saúde e encontrando no parceiro uma forma de amenizar o sofrimento.

Há também traços de “A Bela e a Fera” com uma jovem com problemas relacionados à família entrando em um castelo para encontrar um sujeito rebelde com sua condição física, sendo transformado aos poucos pelos encantos da garota. Tem espaço para “Um Lugar Chamado Notting Hill” também: a cena de William Traynor (Sam Claflin) no aniversário de Louisa Clark (Emilia Clarke) junto com a família dela guarda certa semelhança com Julia Roberts visitando os amigos de Hugh Grant no longa de 1999 com direito a gafe e tudo. E por que não uma homenagem a “Betty, A Feia” com as combinações de figurinos horrorosas da protagonista do início sendo trocados por roupas mais bonitas à medida do tempo.

Contar com atores carismáticos contribui para o envolvimento rápido do público. Apesar de exagerar nas caras e bocas, Emilia Clarke (a Daenerys Targaryen, de “Game of Thrones) transmite uma energia contagiante, incapaz de deixar qualquer pessoa sem ter uma mínima simpatia pela garota. Da escola de atuação de onde saíram Sam Worthington e Henry Cavill, Sam Claflin compensa a falta de talento pela beleza e ainda possui certo carisma (para as fãs do romance prontas a me detonar, assistam o tal filme citado por Traynor – “Meu Pé Esquerdo” – para ver o que é possível fazer mesmo sentado em uma cadeira).

Para completar o mar de clichês, coloque as viagens turísticas para outros países sempre em cenários deslumbrantes e adicione uma trilha sonora pop e uma canção radiofônica e melosa – “Photograph”, de Ed Sheeran – para fazer a galera se desmanchar em lágrimas no tão aguardado beijo.

O que diferencia “Como Eu Era Antes de Você” dos demais companheiros é a coragem de abordar um tema tão delicado como a eutanásia. A firmeza de William Trayor sobre a decisão surpreende o espectador pela clareza da consciência trágica do próprio estado e do que significa para as pessoas ao redor dele continuarem vivendo daquela maneira. A justificativa dada a Louisa de preferir a morte, mesmo não sendo aquilo que o público deseja ouvir, é aceitável e compreensível.

Isso coloca em outro patamar todo o relacionamento entre os dois protagonistas. Se para a personagem de Emilia Clarke trata-se de uma luta para mostrar que Traynor tem muito ainda a viver mesmo tetraplégico, para o milionário acaba sendo uma forma de consolidar o ponto de vista dele quanto à necessidade da própria morte pela impossibilidade de viver plenamente, acompanhado do fato de ter deixado um legado para alguém especial.

Uma pena Thea Sharrock e os roteiristas Michael H. Weber e Scott Neustadter (dupla responsável pelas adaptações de “A Culpa é das Estrelas” e “Cidades de Papel”, ambos do escritor John Green) buscarem atenuar essa temática sempre com o romance açucarado a tiracolo sem tentar ir um pouco mais a fundo na discussão do tema utilizando o drama de Traynor. Aliás, a parte mais direta em que o assunto é tocado acontece estranhamente com um discurso da mãe de Louisa, com uma imagem da cruz de Cristo no pescoço, sobre não concordar com a decisão do empresário em se matar.

Falhas de abordagem e clichês à parte, “Como Eu Era Antes de Você” é um passatempo capaz de entreter o público durante os 110 minutos de duração, especialmente, pelo carisma de Emilia Clarke e, quem sabe, arrancar lágrimas dos mais sensíveis. Nada do que você já não tenha visto antes.

PS: só eu achei o fisioterapeuta do Traynor a cara do Hugh Grant versão bombado?

*agradecimentos à leitora Raiany Almeida pelo alerta do meu ato falho de ter citado a participação de Adele na trilha. Na verdade, a canção “Don’t Forget About Me” é da banda Cloves.