Ah, 2016… Como posso falar de você? Um ano que levou David Bowie, Prince, Alan Rickman, Leonard Cohen e tantos outros (boa sorte para quem vai editar o In Memoriam do Oscar), que nos fez (mais uma vez) ter orgulho de ser fã de Star Wars, que fez de Michel Temer e Donald Trump os presidentes dos ‘belos, recatados e do lar’, que finalmente trouxe o Oscar do DiCaprio…

Já diria nosso amigo Roberto Carlos, foram muitas emoções. Mas não estou aqui para fazer retrospectiva de fatos já lembrados em outros textos do Cine Set e da interwebs. O negócio é que, como já deu para perceber, os últimos 12 meses foram recheados de polêmicas, e a invasão cada vez maior das redes sociais só vem para evidenciar isso. Já que o assunto aqui é cinema, o foco é ver como essas polêmicas ganharam as telas durante o ano.

'Aquarius': equilíbrio perfeito entre simbolismos, política e memória afetiva

E os nossos ‘líderes’, hein?

Os melhores retratos cinematográficos das catástrofes que acometeram 2016 devem ser vistos nos próximos anos. Tal qual o Atentado de 11 de Setembro, a morte de JFK e a Guerra do Vietnã, é certo que a Era Trump deve ser prato cheio para cineastas cheios de sangue nos olhos. Vai ser interessante ver como os comediantes – que já estão com um arsenal pronto em programas como Saturday Night Live – abordarão a eleição do empresário nas premiações, assistidas por milhões de pessoas em todo o mundo – quem sabe não tenhamos um momento Michael Moore no Oscar do ano que vem?

A política nacional ainda é uma incógnita. Nos últimos anos, o que temos visto é um mix de bons documentários (‘Entreatos’ é um exemplo) e versões pasteurizadas – para não dizer ‘cafonas’ -; para continuar no tema “Lula”, cito o exagerado “Lula, o Filho do Brasil”. Sabemos da intenção de produzir um filme sobre a “Lava Jato”, mas o maniqueísmo que ainda ronda algumas produções nacionais “baseadas em fatos” é algo a temer (sem trocadilhos, por favor).

O destaque em 2016 ficou mesmo para a resistência de Clara, a protagonista de “Aquarius”, que foi à luta contra o sistema. Fora das telas, o elenco e a equipe do belo filme de Kleber Mendonça Filho fizeram um corajoso protesto em Cannes. O resultado foi uma curiosidade ainda maior em relação à produção e uma triste contrapartida, com a exclusão do filme brasileiro mais elogiado e premiado internacionalmente dos últimos tempos da corrida do Oscar, em detrimento ao piegas “Pequeno Segredo”.

Polêmicas ‘off-screen’

Dois assuntos tristes que continuaram ganhar as manchetes foram as acusações de agressão da atriz Amber Heard por parte do ex-marido, o ator Johnny Depp, e os casos de violência sexual contra a mulher, com Nate Parker e a confissão de Bernardo Bertolucci sobre a “cena da manteiga” de “O Último Tango em Paris” – um estupro contra a atriz Maria Schneider.

O que o cinema nos ensinou, nestes três casos?

Johnny Depp como Sweeney Todd

1 – Johnny Depp vai continuar trabalhando em projetos grandes, como a série de filmes de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, spin off de “Harry Potter”, e “Piratas do Caribe” 395739578394. O primeiro “Animais…” não dependia de Depp para ser um sucesso e a presença do ator em poucos segundos não chegou a afastar ninguém do cinema. O interessante vai ser assistir a todo o processo de lançamento do novo “Piratas…”, filme da Disney que deve mostrar se o passe de Depp ainda continua tão valioso quanto antes. E se “Alice Através do Espelho” nos ensinou alguma coisa, os prognósticos não são lá tão otimistas. Ou alguém lembra que esse filme foi lançado em 2016?

O Nascimento de Uma Nação, de Nate Parker

2 – Nate Parker tinha um diamante em suas mãos. Em um ano pós-polêmica do “Oscars So White” (mais sobre ela daqui a pouco), as chances de “O Nascimento de Uma Nação” eram boas demais para ser verdade. Da ovação em Sundance à aposta milionária da Fox Searchlight no filme, passando pelo próprio nome da obra (homônima ao filme de D.W. Griffith de 1915, recheado de temáticas racistas). Só que Parker não é Casey Affleck, não é branco e não tem um arsenal de amigos famosos, como o irmãozinho de Ben Affleck tem. Ou seja: de franco favorito ao Oscar, “O Nascimento…” teve um lançamento discreto, com pouca promoção, e acabou morrendo na praia;

Cena da manteiga em O Último Tango em Paris

3 – Já sobre o caso Maria Schneider, o triste é ver que a atriz morreu traumatizada, enquanto Bertolucci ainda defende a escolha “”””””artística””””” de “O Último Tango….”. Se confundir autor e obra é algo bem complicado em termos de cinema (me diga seus 5 filmes preferidos e eu te direi o pecado cometido por cada um dos diretores/atores dessa lista), o caso fica inegável quando as duas se misturam. Pelo menos para mim, o filme de 1972 (que eu gostava muito) ficou inassistível depois dessa.

Chris Rock no Oscar 2016

“Oscars So White”

Pelo segundo ano seguido, a falta de atores não-caucasianos entre os indicados ao Oscar fez barulho. Se em 2015 o ocorrido foi tratado como uma “coincidência”, neste ano a indústria acendeu o sinal vermelho.

Michael B. Jordan (“Creed”, que emplacou uma indicação para Sylvester Stallone, um ator branco) não tinha lá tantas chances contra os cinco indicados a melhor ator, uma categoria que historicamente costuma reconhecer nomes mais experientes (entre um Richard Dreyfus aqui e um Adrien Brody acolá), mas Will Smith (“Um Homem Entre Gigantes”) poderia ter figurado entre Leonardo DiCaprio e Michael Fassbender. O único representante de minoria em destaque foi o mexicano Alejandro González Iñarritu, que emplacou uma impressionante segunda estatueta seguida pelo épico “O Regresso”.

A predominância de atores brancos fez com que a Academia apostasse em um elenco mais homogêneo para apresentar os prêmios da cerimônia. Uma espécie de prêmio de consolação. No palco, vimos Sofia Vergara, Pryanka Chopra, Benicio Del Toro, Kerry Washington e Chadwick Boseman, entre outros. Em contrapartida, o apresentador (escolhido meses antes da polêmica estourar) Chris Rock fez um discurso morno e até decepcionante, onde chegou a zombar do boicote sugerido por Jada Pinkett Smith logo após as indicações.

Moonlight

O contra-ataque da Academia – presidida por uma mulher negra, Cheryl Boone-Isaacs – veio com o anúncio de mudanças nas regras de entrada de membros na instituição. Os chamados “velhinhos da Academia” ganharam a companhia de um grupo mais jovem e com representatividade. Foram convidados nomes como John Boyega, Mahershala Ali (favorito à estatueta de coadjuvante em 2017 pelo elogiado ‘Moonlight’), Michelle Rodriguez, Abbas Kiarostami, e os verde-e-amarelos Lula Carvalho e Anna Muylaert.

Agora, a bola está na quadra da Academia e as chances de minorias no próximo ano estão boas demais para serem ignoradas. O já citado “Moonlight”, “Fences” (que pode render o primeiro prêmio de Viola Davis), “Estrelas Além do Tempo” e “Loving” estão figurando entre os prováveis indicados de 2017. Vamos esperar para ver.

Saldo final

Uma coisa não pode ser negada: o cinema nunca se furtou de levar ao grande público as polêmicas e personalidades do nosso tempo. Há obras que ‘surfam’ na onda e tentam uns trocadinhos em bilheteria com películas forçadas (‘Jobs’, por exemplo), mas há tantas outras que conseguem transmitir o sentimento de uma era e levar aos espectadores um olhar que só a câmera tem. E é aí que reside a esperança de quem ama a sétima arte.