No seu auge na década de 80, entre os filmes de Halloween e Sexta-Feira 13, os slasher movies proporcionaram muita diversão sangrenta e descartável aos fãs, mas serviram também como um ótimo rito de passagem para quem viveu aquele período, afinal, assistir um filme de terror era uma prova entre os amigos que você tinha a coragem de sobra e um ótimo mecanismo de sublimação da curiosidade sexual.

Naquela época, raras produções nacionais investiram no gênero do psicopata maníaco que trucida jovens com a libido sexual exacerbada, e a mais famosa foi o eficiente Shock (1984) de Jair Correa, estrelado pelas atrizes globais Mayara Magri e Aldine Muller. Por isso, depois de trinta anos, Condado Macabro chega para brigar pelo posto de autêntico exemplar nacional deste bastardo subgênero e o primeiro longa-metragem da dupla Marcos DeBrito e André de Campos Mello reconstrói parte do espírito e clichês das obras daquele período e realiza uma homenagem assumida a tudo aquilo que o gênero produziu até hoje.

A própria trama é o clichê do básico: um grupo de adolescente playboys resolve passar o feriado numa casa afastada localizada no interior do Mato Grosso. O que eles não imaginam é que a dupla de palhaços assaltantes, Bola 8 e Cangaço (o ótimo Francisco Gaspar) que comete pequenos golpes na região, planeja assaltá-los. O fato desconhecido de ambos os grupos de personagens é que, próximo da residência, mora uma família psicopata com gosto pela carne humana.

Para os amantes do gênero, Condado Macabro entrega aquilo que é desejado: homenagens ao cinema de terror da década de 70 e 80, doses cavalares de ironia e violência gráfica a nível de excelência. Praticamente o trabalho da dupla de diretores é fazer uma espécie de “copycat” do que o slasher ofereceu de melhor até hoje ao cinema e isso está longe de ser o problema principal; pelo contrário, essa brincadeira com os filmes americanos é responsável pelos momentos mais divertidos do longa-metragem. É bacana enxergar as referências oferecidas por ele e compará-las as produções originais.

Condado MacabroPor sinal, dentro das homenagens, há duas influências que são diretas e evidentes. A primeira é na sua estrutura narrativa. Condado Macabro é calcado inteiramente no clássico O Massacre da Serra Elétrica (1974), de Tobe Hooper, com várias semelhanças entre ambos no enfoque narrativo. O outro ponto relaciona-se à estética, inspirada no terror estrangeiro dos filmes de Rob Zombie – um dos personagens, inclusive, é fã dos filmes do diretor –, o que é observado na fotografia suja, de filtros granulados onde o amarelo-avermelhado (cenas ao dia) e o azul (cenas noturnas) são acompanhados pela edição e montagem picotada bem comuns nos filmes do cineasta.

Mesmo que utilize a fórmula americana, a dupla de diretores sabe ser ousada, fugindo de alguns clichês dos slasher ao utilizar características regionais brasileiras dentro do filme. O vilão principal de Condado é Jonas, um anagrama brazuca para o ícone Jason de Sexta-Feira 13. A máscara que ele utiliza não é feita de pele humana como a de Leatherface, mas sim de carne de porco. A própria personalidade dos personagens é bem trabalhada, mesmo dentro dos arquétipos que encontramos nesse tipo de filme (e que pouco gera empatia junto ao público); a maioria ganha um desenvolvimento satisfatório e o melhor exemplo é a final girl interpretada por Bia Gallo, que nada lembra as virgens recatadas, tornando-se uma heroína ousada durante o filme. Há também um tempero nacional no humor e na trilha sonora, que vai do rock ao brega romântico de Reginaldo Rossi, que ao som de Meu Amor, Meu Bem, Ma Femme, é responsável por uma divertida e deliciosa cena de strip-tease.

Se os clichês muitas vezes são descartados no próprio texto, a forma de contar a história é outro elemento que foge do padrão convencional do subgênero e é substituída por uma narrativa não-linear – o enredo principal é intercalado com cenas de interrogatório, onde o investigador Moreira (Paulo Vespúcio) examina o palhaço Cangaço – que utiliza elementos do cinema investigativo para construir o seu quebra-cabeça perante os acontecimentos da carnificina que presenciaremos no ato final e isso, sem dúvida, oferece um ótima dinâmica de diversão.

Por isso, é uma pena constatar que ao seguir o caminho do “terrir”, Brito e Campos utilizam a veia cômica como recurso para quebrar os momentos de tensão e ajudar o público a rir de certas situações frente a violência. Ao invés de abordarem um sarcasmo inteligente, preferem o escracho no melhor nível Zorra Total, cujo alívio cômico é excessivo no seu besteirol e cansativo na repetição. Outro entrave nítido é a narrativa irregular que, no primeiro ato, desenvolve as referências, personagens e subtramas para no segundo destilar o exploitation – o gore e a violência excessiva -, encenado com eficiência no ótimo trabalho de maquiagem. O real obstáculo não é os dois atos serem distintos, mas a dificuldade da montagem em uni-los e a já citada subtrama do interrogatório que, mesmo ousada para os padrões dos slasher, é responsável pela quebra de ritmo em vários momentos, principalmente quando o suspense e selvageria encontram-se na melhor forma na tela.

O elenco incorpora bem seus personagens estereotipados, mas o destaque fica mesmo para Francisco Gaspar, que transforma o seu palhaço Cangaço em um sujeito cínico e divertido, mas ao mesmo tempo assustador. Bia Gallo é outra que se destaca pela firmeza que constrói sua Lena, uma final girl ousada e carismática, diferente das recatadas de outros filmes.

Condado MacabroNo geral, Condado Macabro tem um potencial enorme de divertir, apesar da narrativa irregular. Para os amantes dos slasher movies é uma overdose de referências, que ao mesmo tempo que venera, sabe tirar sarro ou ironizar. Seu porém são os exageros cômicos que minam as ações do roteiro, juntamente com a montagem que não encontra a melhor maneira para construir sua narrativa e subtramas. Ainda assim, é bom encontrar um slasher nacional que utiliza a fórmula do cinema americano de terror, mas que respeita as regionalidades nacionais, manipulando o prontuário de terror de uma forma apaixonada. É outra prova de que o cinema nacional de terror vem apresentando avanços não apenas nos quesitos técnicos como também no talento de contar uma história envolvente e assustadora.

*O filme encontra-se na grade dos canais do Telecine.

**Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.