Há dois tipos de filmes eficientes: os filmes que cumprem o combinado, com seguro apuro técnico, mas poucos elementos que os distinguem dos demais (procure expressões como “bem feito” e “competente” para descobrir quando críticos estão falando deles), e filmes que fazem exatamente a mesma coisa, mas de uma maneira envolvente e incrivelmente satisfatória.

“Conexão Escobar” se encaixa nessa segunda categoria. Se de cara, ele parece mais um dos trocentos projetos a abordar a guerra contra as drogas nos Estados Unidos dos anos 80 (“Narcos”, alguém?), é porque ele é isso mesmo. Você poderia usar o mesmo tempo para rever algum filme de gângster do Martin Scorsese também e ter emoções similares.

No entanto, o que falta ao filme em real novidade, ele compensa com pura técnica: ritmo acelerado, um elenco fora de série e um roteiro que desenvolve suas questões progressivamente, sem apelar para exposições nem dedos na cara.

Superficialmente, “Conexão” se encaixa na narrativa americana da luta contra as drogas focada nos policiais, e não nos bandidos, após romantizações exageradas do cartel de Medellín em décadas passadas. Com o passar do tempo de projeção, no entanto, assim como nosso protagonista Robert Mazur (Bryan Cranston, mais uma vez encarnando um personagem com um “amor fati” obsessivo), convivemos tanto com os traficantes que temos a chance de vê-los como homens de negócio, pais de família, e as linhas entre bem e mal começam a se misturar.

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O filme tem diversos ganchos pelos quais guiar sua trama, como a política antidrogas do governo Reagan e as motivações de Mazur, mas ele está mais interessado na ação da improvável história do agente infiltrado da polícia do Estados Unidos que conseguiu acesso aos homens mais poderosos do cartel de Escobar (bem como aos banqueiros que os ajudavam). Baseada nas memórias do próprio Mazur, a narrativa mantém o espectador num clima de suspense real durante quase todo o filme, com cenas que escancaram o perigo absurdo que todos os policiais envolvidos na operação correram.

Esse perigo leva a um dos mais deliciosos pontos propostos pelo filme: o de que havia um prazer, por parte dos policiais, em levar outras vidas. Para o personagem de Cranston, isso não é exatamente claro. Mesmo sendo oferecido uma gorda aposentadoria, ele se mete na missão para se infiltrar no cartel de Medellín, deixando seus colegas policiais e, principalmente, sua família, sem entender nada. Perguntado sobre o porquê de sua decisão, ele não sabe responder. Já seu parceiro, Emir Abreu (o sumido John Leguizamo), não conta conversa: “Eu faço isso porque adoro! E sou o melhor cara para fazer isso”.

Essa ambiguidade é levada a cabo continuamente no longa: ao mesmo tempo em que Mazur não está disposto a transar com uma prostituta oferecida a ele como presente por um negócio, por ser casado, ele eventualmente se vê na situação de ter que fingir ser um lavador de dinheiro na frente de sua mulher e agredir um garçom, deixando-a extremamente constrangida. Mesmo com toda a pressão, ele confidencia a Abreu, posteriormente, amar seu personagem.

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São nesses momentos em que acaba mostrando sua verdadeira identidade: por tirar o foco de Escobar e se centrar em toda a estrutura que o cercava, o filme evita maniqueísmos e narrativas batidas. É fácil esquecer da violência gerada pelo grupo quando os acompanhamos em jantares e na vida doméstica, mas, em determinado momento, todos são lembrados de quem são e do que fazem. “Conexão Escobar” não é o primeiro nem será o último filme a relativizar ações de policiais e criminosos, mas se todos saírem com esse senso de ritmo e história, você não vai me ver reclamar.