O Brasil não vive tempos normais. Crise política e econômica, protestos nas ruas, impeachment, Lava-Jato, Jogos Olímpicos e Paralímpicos, coxinha, mortadela, reaça, ‘chola’ e outros tantos termos e situações colocam o país em um período de ebulição com os ânimos aflorados seja você de esquerda, direita, pró-Temer, pró-Dilma, pró-nada. Nessa salada toda, até mesmo o cinema entrou na roda. E “Aquarius” é o epicentro.
O novo capítulo desta história começa nesta segunda-feira, dia 12 de setembro, com a escolha do representante brasileiro ao Oscar 2017. Teoricamente, “Aquarius” é o candidato mais forte: aclamado pela imprensa especializada em Cannes, ganhador dos prêmios de Melhor Filme em festivais importantes como Amsterdã e Sydney, elogios grandiosos ao trabalho de Sônia Braga (há quem a coloque até na briga por uma vaga de Melhor Atriz – algo, na minha opinião, bem improvável vide um páreo com Amy Adams, Emma Stone, Meryl Streep, Viola Davis, etc., todas grandes estrelas de Hollywood), boa bilheteria e boca-a-boca positivo.
Porém, como todos estão cansados de saber, “Aquarius” está no meio daquela quizumba citada no primeiro parágrafo. Isso começou com o protesto da equipe no Festival de Cannes contra o impeachment de Dilma, passou pelo embate entre o diretor Kleber Mendonça Filho e o crítico Marcos Petrucelli, a saída de integrantes da comissão responsável pela escolha do filme brasileiro no Oscar, chegou até à classificação indicativa do filme e a desistência de filmes importantes da disputa brasileira à vaga do Oscar (“Mãe Só Há Uma” e “Boi Neon”) em apoio ao filme pernambucano.
Todo esse cenário faz a escolha do filme brasileiro para o Oscar ganhar, inevitavelmente, um contorno político. Nesse Brasil maluco dos nossos dias, quem é pelo ‘Fora Temer’ tem quase como dever cívico amar “Aquarius” (inclusive, gente que nem viu já gosta), já quem desejava o impeachment nem quer ver o filme com o argumento (???) de ser gente de bem (???????).
Os dois lados da moeda
Caso “Aquarius” seja o escolhido e consiga a sonhada indicação (algo muito possível), é quase certo ver protesto semelhante ao feito em Cannes no tapete vermelho do maior evento de Hollywood com repercussão instantânea para o mundo inteiro. Por mais que a comissão organizada pela Secretaria do Audiovisual (órgão ligado ao Ministério da Cultura) diga estar isenta e levar em conta apenas o critério artístico na decisão, não há como viver em uma bolha e não pensar nessa possibilidade. Haverá, claro, chiadeira dos oposicionistas do governo petista e acusações sobre a equipe usar a Lei Rouanet ou qualquer verba pública para promover o longa, viajar os EUA.
Se, por outro lado, “Aquarius” não for o representante do Brasil, gritos de censura e argumentos sobre retaliação a Kleber Mendonça Filho e equipe pela posição contrária a Michel Temer serão repetidos a exaustão. Não será improvável também ver a imagem dos membros da comissão associados golpistas e coisas do gênero, fora a rejeição de uma parcela grande do público ao indicado no lugar do filme pernambucano (muitos sem ver o tal filme escolhido).
Se ‘Aquarius’ ficar de fora, quem entra?
Engraçado como a polarização da escolha brasileira ficou tanto sobre “Aquarius” pelos contornos políticos que os outros 15 concorrentes ficaram relegados a coadjuvantes na disputa. Para facilitar, vou elencar as chances deles:
- Sem chances: “Até que a Casa Caia”, “O Começo da Vida”, “A Despedida”, “Uma Loucura de Mulher”, “Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil”, “Vidas Partidas”;
- Chances mínimas: “A Bruta Flor do Querer”, “Campo Grande”, “Mais Forte que o Mundo – A História de José Aldo”, “O Outro Lado do Paraíso”, “O Roubo da Taça” e “Tudo Que Aprendemos Juntos”;
- Chances médias: “Chatô – O Rei do Brasil” e “Nise – O Coração da Loucura”.
O verdadeiro rival
Pode ser que você não tenha ouvido falar ou lido uma linha sobre “Pequeno Segredo”. Pois saiba que este é o verdadeiro rival de “Aquarius” no campo cinematográfico na disputa pela vaga brasileira no Oscar 2017. Quando você dá um Google e procura informações sobre o filme, a principal qualidade atribuída ao filme nas notícias em questão é que ele tem a ‘cara do Oscar’.
E o que diabos significa a cara do Oscar?
Vamos à sinopse do filme para tentar identificar: “três histórias conectadas por um único segredo, abrangendo a primeira família brasileira a dar a volta ao mundo a bordo de um veleiro. Conhecidos por seus cruzamentos marítimos, os Schurmann guardaram por um longo tempo a comovente história da adoção de Kat, falecida em 2006″.
Para ficar ainda mais fácil, vamos ao trailer:
Não dá para negar que “Pequeno Segredo” tenha uma cara de filme voltado para o Oscar. Ajuda o fato de ser baseado em fatos reais, uma história familiar cheia de segredos e com um toque emocional bem forte passando por gerações traz a grandiloquência adorada pelo cinema americano, a narrativa soa mais convencional do que “Aquarius” e similar ao estilo hollywoodiano.
Para completar, a presença de atores internacionais como Erroll Shand e Fionulla Flanagan no elenco, nomes consagrados como Brigitte Broch (direção de arte) e Antonio Pinto (trilha sonora original) na equipe técnica e a mistura de português e inglês podem chamar a atenção dos votantes da categoria considerada a mais imprevisível do Oscar. Não seria estranho ver Bruno Barreto, integrante da comissão da SaV e ligado muito a Hollywood, adotar estes critérios para eleger “Pequeno Segredo” como o escolhido.
O filme, aliás, já iniciou a campanha rumo ao prêmio de Hollywood: em postagem neste fim de semana no Instagram, a conta oficial de “Pequeno Segredo” coloca opiniões positivas de produtor Barrie M. Osborn, vencedor do Oscar por “O Senhor dos Anéis”. Ele, inclusive, teria enviado uma mensagem ao diretor David Schurmann dizendo que se mostrava à disposição para ajudar na campanha junto à Academia em caso de possível indicação.
De nada seria uma obra moldada para prêmios se “Pequeno Segredo” não fosse bom. Notícias vindas pela própria imprensa, entretanto, deixam boas impressões de que o filme seria um grande exemplar do cinema nacional, capaz de conseguir respaldo tanto da crítica quanto do público.
O desafio do Brasil no Oscar
Como na política, o cinema brasileiro vê problemas herdados de anos anteriores na disputa ocorrida neste ano. Sempre que chega essa época do ano, a pergunta retorna: devemos levar o filme com mais chances de conseguir a indicação e a posterior vitória (a tal ‘cara do Oscar’) ou simplesmente o melhor?
Nisso, podemos ver anos em que se faz justiça ao levar o que melhor representou o cinema brasileiro naquele ano (“O Som ao Redor”, “Que Horas Ela Volta?” e “Tropa de Elite 2”) e atrocidades difíceis de entender (“Salve Geral” e “Lula – O Filho do Brasil”). Como se pode ver, sou sempre favorável ao conceito de se levar o melhor do que produzimos a ficar adivinhando os gostos dos jurados da Academia. Evidente que o conceito de melhor trata-se de algo subjetivo e pode ganhar variações, porém, acredito que o pensamento único deva ser a qualidade artística acima de todos os outros fatores.
Utópico? Talvez. Mais justo? Sem dúvida.
O Oscar, é verdade, em nada mudará o cinema nacional: as dificuldades de financiamento seguirão, o espaço no circuito comercial permanecerá complicado com as preferências pelos blockbusters ou comédias brasileiras populares e rasteiras, o incentivo ainda atrelado quase que exclusivamente ao setor público, etc. Isso não significa, entretanto, que o prêmio da Academia não seja importante de um dia ser conquistado pelo Brasil, pois seria um importante reconhecimento internacional tanto quanto uma Palma, Urso ou Leão de Ouro, fora o mercado aberto para o tal filme vencedor.
Seja “Aquarius” ou “Pequeno Segredo” ou qualquer outra produção escolhida nesta segunda-feira, espera-se apenas que o cinema nacional saia sem mais traumas dessa conturbada disputa pela vaga ao Oscar 2017. Que os erros cometidos neste ano na formação da comissão sejam revistos e a definição conceitual sobre qual filme será o escolhido seja feita o quanto antes.
Esse filme me da uma alergia danada nos olhos!
Falta Brasil nesse filme aparentemente. Trauma familiar, temos aos montes para contar, com todo o respeito. Fiquei com a impressão de filme de CEO, com cara de powerpoint motivacional.
Falta Estados Unidos em vários filmes vencedores de Oscar de melhor filme. Além disso, não falta Brasil não, é uma história real, de uma familía real e brasileira. Já tivemos chance de concorrer com Central do Brasil mostrando o lado podretão do Brasil, virou clichê já.
Viva Santa Catarina emplacando um filme de um catarinense
Parabéns pelo palpite certeiro antes do anúncio oficial do MinC.
Parabéns Família Schurmann!!!!!!!!!!!!
Espero que o filme tenha ficado próximo a qualidade do livro, pois se assim for, com certeza ele trará o Oscar.
Geralmente tenho comprado livro lido e dado a algum amigo de presente, até para incentivo a leitura. Confesso este livro eu não consegui dar para ninguém devido a alta carga emocional presente e a memória da Kat. Ele esta bem guardado comigo.
Com relação a este papinho furado da Direita Marxista que continua as mesmas ladainhas de direita e esquerda do início do século passado, se levar em consideração que nenhum dos dois é ruim. Entendo que é muito mais ousado e revolucionário contar a História da KAT pois trata de superar preconceitos, trata realmente da inclusão social e da vida de alguém que embora jovem viveu intensamente cada segundo.
Lembro que só é criticado que faz, e somente quem nada faz critica. Tenho certeza que vocês fizeram um ótimo trabalho.
Bons ventos e estamos na torcida!!!!!!!!!!11111111