No início do ano, Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy foram homenageados pelo seu trabalho na Trilogia Antes do Amanhecer, pela associação de críticos norte-americanos. Quando foram receber o prêmio, dentre várias piadas que fizeram, falaram que era interessante ganhar esse tipo de reconhecimento pela trilogia menos rentável da história do cinema, o que despertou muitos risos na plateia.

Esse comentário pode servir para ilustrar o tipo de cinema, e a mentalidade de Richard Linklater, um realizador que trata de temas banais do cotidiano, e exatamente por isso sabe que nem todo mundo tem paciência para o seu trabalho, por preferirem fugir da realidade quando se conecta ao cinema, como se a arte tivesse apenas esse dever de servir de fuga para as pessoas.

E não é apenas o grande público que não reconhece a grandiosidade do trabalho deste cineasta, mas as premiações também não estão muito interessadas em dar o devido valor ao trabalho excepcional do diretor, parecem considerar que não há nada de mais no seu trabalho, nada digno de prêmio ou grande reconhecimento, sem notar que isso não poderia estar mais equivocado, pois o tão conhecido naturalismo do diretor é fruto de um trabalho rigoroso e extremamente difícil de ser alcançado e conduzido.

Mas, ao que tudo indica, Boyhood veio pra corrigir esse equívoco, e finalmente trazer o reconhecimento que o diretor merece. Vencedor do Urso de Prata de Melhor Diretor do último Festival de Berlim, o filme chega com grande força para o Globo de Ouro e Oscar, dividindo com Birdman, de Alejandro González Iñárritu, o favoritismo para vencer a categoria principal.

Mas muito mais do que prêmios, Boyhood veio pra mostrar que o diretor de Antes do Amanhecer (1995) poderia sim fazer um trabalho ainda mais desafiador, e de melhor resultado, que conseguisse a façanha de sair de um nicho específico, e ser recebido por um público mais amplo. Linklater comandou um trabalho sem precedentes na história do cinema, estabeleceu um marco, um filme a ser estudado pelas próximas gerações, um estudo de personagem fora de série, em que o fator mais extraordinário é exatamente a sua simplicidade.

A maturidade de Linklater fica evidente pelo diretor não se interessar em desenvolver uma “trama”, que se inicie de uma maneira e termine de outra. A sua ideia é explorar o cotidiano puro e simples, as mudanças que a vida traz com o passar dos anos, as pessoas e hábitos que deixamos para trás, as novas descobertas e experiências, as mudanças de opinião, de paladar, de personalidade, mudanças físicas. Isso já é muito, e Linklater sabe disso, e sabe que não é necessário envolver esses elementos numa trama tradicional para emocionar as pessoas, ele vai muito mais além, não se deixa levar pelo apelo fácil, sabe que a (suposta) falta de significado desses acontecimentos é justamente o que torna a vida tão densa.

As mudanças abruptas de tempo, quando somos jogados para alguns anos a frente na vida de Mason foram uma escolha certeira do diretor, para mostrar que ao mesmo tempo que as coisas vão mudando lentamente nas nossas vidas, se pararmos para notar, mudamos muito em um curto período de tempo, seja a nossa mentalidade, ou aparência física. E a forma como os personagens secundários também evoluem e mudam com o passar dos anos, cria um mosaico impossível de não se identificar, pois a partir do olhar daquele garoto, daquela família, a partir de uma observação tão específica daquele universo, Linklater ao mesmo tempo constrói um olhar extremamente amplo, que abrange a vida de todos nós.

Apesar de 2014 ter sido um ano de grandes trabalhos de direção como os do Irmãos Coen (Inside Llewyn Davis), Asghar Farhadi (O Passado), Jim Jarmusch (Amantes Eternos), Steve McQueen (12 Anos de Escravidão), Jonathan Glazer (Sob A Pele), e tantos outros, não tenho a menor dúvida que o melhor trabalho de direção foi o de Richard Linklater, pois o norte-americano não apenas fez um grande filme, mas uma obra de arte atemporal, que ficará para sempre em nossas memórias, não tenho a menor dúvida.