Antes de começarmos, uma confissão: até dias atrás, eu não tinha visto nenhum dos filmes da série “Rocky“, nem mesmo o célebre primeiro, de 1976, que chegou a levar três Oscars para casa naquele ano, incluindo Melhor Filme.

Eu sei, eu sei, isso é crime no Código de Conduta da Cinefilia e uma investigação interna está sendo conduzida pelo cinesetiano Ivanildo Pereira para apurar o caso. No entanto, isso me coloca dentro de um público muito cobiçado pelos novos capítulos de lôngevas franquia: aquele que quer curtir o filme mesmo não dispondo do contexto das obras anteriores.

Nesse sentido, “Creed – Nascido para Lutar” que se apresenta tanto como uma sequência a “Rocky Balboa” (2006) quanto um filme derivado da série, iniciando a trajetória do novo personagem Adonis Creed (Michael B. Jordan), aposta em um misto certeiro de reverência e frescor.

Para início de conversa, é interessante notar que mesmo quem não é familiar com o conto estilo Cinderela do primeiro filme logo o deduz, principalmente porque “Creed” explicita claramente os paralelos da história do novo protagonista com a que “Sly” protagonizou nos anos 70.

A trajetória do anonimato ao estrelato, a luta contra as adversidades sociais, o cenário frio da cidade da Filadélfia, as lutas no maior clima de tudo-ou-nada, até mesmo as referências à “jornada do herói“: todos esses elementos estão aqui.

Por um lado, eles significam que conhecemos o filme que vamos ver antes mesmo d’ele começar. Por outro, o caso “Star Wars” provou que, em se tratando de franquias que atravessam gerações, o que o público quer mesmo é uma fórmula relacionável, replicada de forma que não seja grosseira, ou seja, “Creed” tende a agradar fãs antigos da série.

Em se tratando de inovação, a tarefa fica por conta de e Michael e Ryan Coogler (parceiros desde “Fruitavale Station – A Última Parada”), que atualizam a trama enfocando-a no jovem negro filho de Apollo Creed, antigo amigo e rival de Rocky.

A manobra dá conta da necessidade tanto de termos um protagonista jovem para iniciar o que pode ser uma nova franquia (e, com isso, atrair a platéia nessa faixa etária) quanto de vermos mais negros em papeis de destaque em Hollywood.

Nesse sentido, Michael consegue nos manter conectados a um personagem problemático e, por vezes, egoísta e sua ausência no rol de indicados ao Oscar de Melhor Ator este ano já está sendo muito rebatida por membros da indústria cinematográfica.

Sylvester Stallone, por sua vez, também traz sensibilidade a um personagem que ele conhece muito intimamente e vê-lo tão envelhecido em cena traz à tona o choque de ver Jean-Louis Trintignant em “Amor” (2012), com o tempo não deixando pedra sobre pedra e conclamando uma reflexão sobre mortalidade.

Com um sólido trabalho de câmera (chequem o incrível plano-sequência que Coogler usa para nos mostrar a primeira luta de Adonis) e referências a capítulos anteriores na medida (a cena da corrida com as motos é um achado), “Creed” funciona dentro do que se propõe e aponta para um caminho sólido para a franquia. Que venha o próximo round.