Sem dúvida, “Dark” é um dos melhores originais da Netflix, logo, uma série dos seus mesmos criadores chamaria atenção do público com muita expectativa. Mas não é bem esses sentimentos que “1899” deixa passado seus oito episódios.

A série carrega todos os elementos clássicos dos projetos de Baran Bo Odar e Jantse Friese: um grande mistério, referências místicas, trilha sonora que faz parte da narrativa e a fotografia soturna. O resultado, contudo, não encanta e destaco três motivos para isso: o ritmo, os personagens e o mistério pouco empolgante.

Em ritmo de tartaruga

Como em produções do gênero, “1899” inicia apresentando os personagens principais e fica claro que nem tudo é o que parece. Assim compreendemos quando a sinopse relata trazer um grupo de imigrantes de diversas partes da Europa parte rumo aos Estados Unidos em busca de uma nova vida. A bordo do navio Kerberos, cada um dos passageiros tem dramas próprios que são minimamente explorados no decorrer da narrativa.

Os episódios de até 50 minutos se arrastam como se durassem mais tempo do que possuem. Isso acontece pela história pretensiosa, que soa inteligente, intrigante e com muitos elementos para ficar atento e explorar, mas não vai em frente, visto que a ideia é vazia e cansativa. Até o capítulo seis, a trama se desenvolve de forma confusa, escura e repetitiva. A narrativa se abre em várias frentes enquanto busca fundamentar o mistério para o público e é curioso porque a parte mais interessante é justamente o suspense que ronda o navio Prometheus, contudo até mesmo ele é esvaziado e deixado de lado na caça por um argumento robusto e de explodir mentes.

Máquina de mistério

Conforme “1899” se pauta no enigma dos navios e empresta o ambiente nostálgico e investigativo de “Navio Fantasma”, cria espaço para indagações, reflexões e incita uma mínima curiosidade. No entanto, é quando se desvincula dessa trama que mostra o seu pior lado:  uma cópia barata de outros suspenses. Neste sentido, a história começa a desandar.

Friese e Bo Odar abandonam o mistério no navio e miram nos sonhos e traumas do passado de “Lost”. Vejo dois grandes problemas nesse contorno: o primeiro deles é a ausência de histórias fortes que prendam o espectador e o faça se importar com o que ocorrera com eles; o segundo é como isso se torna batido e enfadonho quando não é bem executado. A maior prova disso é que o resultado de “1899” beira aos melhores momentos de “Show de Truman”, mas é tão mal executado quanto “Não se preocupe, querida”.

A nuvem que cerca o passado e as inquietações dos personagens é tão densa que nos impossibilita de conhecê-los; sabemos quem são por características generalistas e não pelo que a trama nos permite perceber. No primeiro momento, há a sensação de que isso faz parte do mistério, quando, na verdade, “1899” toma outro caminho.

Personagens anêmicos

Acredito piamente que as melhores ficções cientificas são aquelas que brincam com a capacidade humana e seus dramas mais primitivos, como bem pontuaram em suas obras Ursula Le Guin e Ray Bradbury. Foi isso ainda que tornou a primeira temporada de “Westworld” memorável e arrancou lágrimas na temporada final de “Dark”, mas nesta nova empreitada Friese parece esquecer essa premissa. Isso é notável diante da ausência de carisma das personagens e da construção rasa que tem, visto a falta de motivação que os move e de adensamento de suas histórias e personalidades. Isso não tem que ver com segurar ou desenvolver mistério, mas em respeitar seu público e a narrativa contada.

Não sei qual dos dois criadores achou que seria brilhante ter uma torre de babel em alto mar, mas, em todo caso, a ideia não leva a nada – a não ser criar tumulto em alguns momentos – e não diferencia histórias e personalidades. A maior evidencia de como não há apego e um bom desenvolvimento dos personagens é quando há um suicídio coletivo que não interfere na trama, mesmo perdendo 70% das personas apresentadas. Falta componente humano, emoção e drama na medida certa.

“1899” poderia ser uma grande série, talvez uma das melhores da Netflix, mas ela se perde dentro dos próprios enigmas que tenta costurar. Sem personagens marcantes, história cativante e ritmo envolvente, a série nos faz lembrar de um tempo bom quando Bo Odar e Friese entregavam uma produção consistente e sem tanta pretensão. A sensação que tenho é a de que a dupla perdeu uma boa oportunidade e nós também.