Independentemente de você ser de direta ou esquerda, pró ou contra Rússia ou Ucrânia, é impossível assistir “20 Days in Mariupol” sem sair impactado. Durante pouco mais de 1h30, o documentário apresenta o horror da guerra da forma mais crua possível: pai chorando sobre o corpo do filho ensanguentado, toalhas e macas repletas de sangue por todos os cantos, uma mulher grávida segurando o bebê morto no útero após bombardeio, um garoto prestes a ter a perna amputada, um bebê de 18 meses sendo ressuscitado sem sucesso pela equipe médica e, posteriormente, abraçado pelos pais completamente desolados e muito, muito, muito mais. Somente um monstro não fica comovido por tamanha barbaridade. 

Todas estas imagens foram captadas pelo jornalista ucraniano Mstyslav Chernov, da Associated Press, durante os primeiros 20 dias de cerco russo a Mariupol, cidade situada no sul da Ucrânia, próxima ao país vizinho. O documentário é uma compilação assustadora destes dias de violência brutal a partir de registros que foram exibidos em veículos de comunicação ao redor do planeta. 

“20 Days in Mariupol” se mostra um documentário claramente pró-Ucrânia do início ao fim, inclusive, pela própria nacionalidade de Chernov. Logo, todas as inserções para contextualizar o espectador sobre o conflito são feitas de forma tendenciosas com uma Rússia ameaçadora seguida das atrocidades vistas em Mariupol – aliás, curioso como o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky praticamente não aparece, exceção feita a um brevíssimo comunicado. Dentro deste caráter propagandístico de uma versão do conflito, o próprio jornalista faz questão, por exemplo, de ressaltar sobre a mentira russa de que a população civil não estava sendo atacada, seja na narração em off ou no próprio diálogo com pessoas na cidade. 

BOMBARDEIO LITERAL E FIGURADO

E justamente aqui o documentário começa a entrar em uma linha tênue entre a necessidade de se filmar como um denúncia/registro histórico e a ética e o respeito para com aquelas vítimas e seus familiares. Em um certo momento, um médico dos poucos hospitais em funcionamento solicita que Chernov entre no centro cirúrgico onde pessoas estão sendo operadas para que a atrocidade contra a população de Mariupol fique gravada. Neste mesmo momento, nota-se um olhar de indignação de uma das enfermeiras para o jornalista, mas, ela nada pode fazer. Fica evidente que nem todos ali concordavam com aquele grau de exposição de um momento tão delicado, algo que o documentário prefere ignorar. 

Somado este momento à descrição das imagens do primeiro parágrafo e muitas outras, pergunto-me qual o limite e o propósito delas. Evidente que o caráter de denúncia sobre as atrocidades é fundamental e pode impedir o massacre de mais gente, porém, utilizar a dor dilacerante de familiares das vítimas ou os últimos registros dramáticos de uma pessoa para este contexto de forma tão gráfica parece-me eticamente problemático. Afinal, será como estes homens e mulheres serão eternizados publicamente como suas vísceras expostas, sangue por todos os lados em uma tragédia sem fim – fora o contexto de autorização das imagens perante pessoas ainda chorando seus mortos. 

Há momentos em que Chernov permite-se ir além da crueza da barbárie ao se perguntar o que ocorre com o planeta em ver aquelas imagens há mais de oito anos, citando as constantes crises entre Rússia e Ucrânia. O insight, entretanto, não dura muito e, logo, estarão novamente em cena mais violência, pessoas mortas e sangue por todos os lados. Pesadas, sem dúvida. Para provocar indignação, claro. Mas só? Este é o máximo que “20 Days in Mariupol” consegue gerar? 

Na era do excesso de imagens e informação, o documentário soma-se a esta maçaroca de conteúdos infindáveis que presenciamos dia após a dia buscando o choque para chamar a atenção. A nós, resta seguir que nem o senhor que cruza Mariupol ao longo de quatro horas torcendo para não ser bombardeado.