Há alguns anos, considero que John Boyega passou do ponto com as reclamações sobre sua participação na última trilogia Star Wars. Seu argumento tinha era bastante válido (a ausência de personagens não-brancos com maior destaque), mas também ecoava certo ataque de estrelismo de um ator que queria que a franquia girasse em torno dele. Em uma nota pessoal, não nego que cheguei a criar antipatia pelo ator. Da mesma forma, porém, reconheço que ele dá a volta por cima com “892”, trabalho exibido no Festival de Sundance 2022. Boyega carrega o filme da diretora estreante Abi Damaris Corbin, uma obra tensa baseada em uma história real, ocorrida em 2017.

Em “892”, Boyega vive Brian Easley, um fuzileiro veterano da guerra no Iraque que foi ferido e está vivendo em dificuldades. Não tem dinheiro e vive separado de sua esposa e filha pequena. Um dia, ele entra em um banco com uma bomba e faz reféns duas funcionárias. Uma grande injustiça foi cometida contra ele e seu desejo com a tomada do banco é receber reparação. Apesar de ele ser educado e tratar bem suas reféns, a situação logo começa a ficar tensa e Brian se torna dominado pela certeza cada vez maior de que não sairá vivo do banco.

Por um longo trecho do filme, a câmera permanece na locação do banco. Vemos o que o protagonista e suas duas reféns veem e o lado de fora desaparece para nós, os espectadores. A câmera é nervosa, movimenta-se rápido e os planos são bem orquestrados pelo montador Chris Witt. É quando 892 fica tenso e conquista a atenção: Boyega cria um retrato de um homem curiosamente não perturbado, mas ciente das suas ações e determinado no seu objetivo, por mais absurdo que este possa parecer – e quando o longa explica a razão do seu título, essa informação atinge o espectador com força.

A Despedida de Michael K. Williams

Depois, Corbin abre um pouco o foco. A tensão diminui, mas a dramaticidade se eleva. Acompanhamos as tentativas de Brian de ser ouvido pela imprensa – não realmente bem-sucedidas – e o impacto da ação sobre sua família. É também aí que surge a outra ótima atuação do filme, a do grande ator Michael Kenneth Williams – infelizmente este foi seu último trabalho, antes do falecimento em 2021.

O negociador de Williams tenta controlar a situação, mas não percebe que pessoas como ele não têm tanto poder quanto pensam, e o ator se vale de cada segundo em tela para transmitir a intensidade e a futilidade em torno de seu personagem. É um trabalho muito bom, perfeitamente modulado, e que eleva um papel não muito delineado pelo roteiro. Williams fará falta.

Talvez, há alguns anos, uma história como essa tivesse menos potência. Mas em um mundo pós-morte de George Floyd e todo o movimento Black Lives Matter, a história de Brian Easley adquire um novo significado e uma ressonância emocional forte.  Corbin, Boyega e a equipe de “892” fazem jus a essa história com um filme tenso, sério, sensível e que deixa uma imagem falar pela totalidade da experiência: o plano de um rastro ensanguentado no chão que deverá ficar na memória de quem assistir ao filme.

E Boyega é seu rosto nervoso, retratando as emoções de alguém que queria, acima de tudo, que as pessoas prestassem atenção nele, não por fama, mas para reparar uma injustiça estúpida.

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