Violento, sangrento, tenso e com atenção especial para cenas de ação: “A Divisão” é um tipo de cinema nacional raro. Deixando de lado o contexto social – mesmo ainda sendo possível enxergá-lo nas entrelinhas – o longa foi produzido para ter o formato de uma série, sendo perceptível por conta de sua duração. O que poderia ser um desastre transformasse em uma produção competente com cenas bem construídas e dinâmica eficiente, uma boa opção pra quem gosta de thrillers policiais.
Não é a primeira vez que Vicente Amorim abraça o exercício de gênero: em “Motorrad” (2017), apesar de ter conseguido um visual elogiado, o resultado foi considerado aquém. Agora, em “A Divisão”, o diretor aparentemente aprendeu com os erros cometidos e trabalhou muito bem o roteiro de Gustavo Bragança (“Mandrake”).
Ambientado no Rio de Janeiro do fim dos anos 1990 e baseado em fatos reais, “A Divisão” mostra a onda de sequestros a partir do trabalho de uma equipe policial, a Divisão Anti-Sequestro (DAAS), para resgatar a filha de um deputado (Dalton Vigh). Dois tipos de profissionais são escolhidos para a missão: o delegado Mendonça (Silvio Guindane) é enérgico, violento, o homem da ação. Seu método “bandido bom é bandido morto” é bem visto pela população – e, por boa parte dos brasileiros. Porém, ele precisa trabalhar, a contragosto, com o policial Santiago (Erom Cordeiro) e sua equipe (Natália Lage e Thelmo Fernandes). Santiago é um policial corrupto, entretanto, suas práticas possuem certa “ética”, pois, ele apenas surrupia a fortuna dos bandidos, sendo uma espécie de Robin Hood.
ENTRE CLICHÊS E ACERTOS
Claro que, no primeiro momento, as rusgas são óbvias, e a antipatia de um pelo outro é recíproca. Mas logo os métodos acabam se conciliando em prol da solução dos crimes. Esse clichê só não irrita por conta da forma como é inserido dentro do contexto do “jeitinho brasileiro” como prova a cena envolvendo orelhões. Esse tipo de recurso batido de roteiro de filmes policiais segue ao longo da trama sem qualquer tipo de tentativa de disfarçá-lo, o que chega a ser até honesto por parte de Bragança.
O melhor de “A Divisão” reside, sem dúvida, no design de produção com toda ambientação dos anos 1990 através de modelos de aparelhos celulares, televisores ou até mesmo um carro modelo Monza. A fotografia assinada por Gustavo Hadba (“Eduardo e Mônica” e “O Grande Circo Místico”) exibe cores quentes em momentos de ação, frias com a tensão, enquanto a trilha sonora pontual de Lucas Marcier (“Irmã Dulce”) cresce quando o filme precisa. Um trabalho preciso e consciente, com perseguições e tiroteios a todo momento e efeitos competentes; a carnificina é exposta e a câmera não disfarça como um programa policial sensacionalista.
Mesmo com a trama concentrada na ação, Vicente Amorim consegue achar tempo para desenvolver os pequenos dramas de seus protagonistas ao apresentar, por exemplo, a família de um dos membros da equipe corrupta. Apesar do profissional reprovável do ponto de vista ético, há um homem ali amado por seus familiares e capaz de ter momentos de afeto e ternura. Esta ligação permite a criação de uma maior tensão na cenas de ação, afinal, sabemos o entorno daquela figura. Por outro lado, “A Divisão” falha miseravelmente na tentativa de criar alívios cômicos desnecessários.
Bem-feito e conduzido, “A Divisão” é uma boa pedida para quem busca um filme de ação nacional.