Já na reta final de “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, a protagonista Katie (dublada por Abbi Jacobson) se vê completamente sem saída e apela para um discurso emocional daqueles feitos para o público chorar com sua mensagem inspiradora. Abruptamente, porém, ela é interrompida de uma forma peculiar e genial pela vilã, sendo jogada de volta à ação.
Nada poderia ser mais a cara da dupla Christopher Miller e Phil Lord, revelados no surpreendente “Uma Aventura Lego” e expulsos pelas ousadias pretendidas para “Han Solo” (o que fizeste, Disney?). Em “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, os dois assumem a produção executiva desta excelente animação da Columbia Pictures, disponível na Netflix.
Lá estão o humor ácido, rápido e zoeiro com pitadas de boas críticas sociais em uma história repleta de ação em ritmo acelerado e referências ao mundo do cinema e da cultura pop.
Com direção e roteiro de Michael Rianda e Jeff Rowe, o filme mostra a história de Kattie, uma garota apaixonada por fazer filmes caseiros e prestes a ir para a faculdade de cinema em Los Angeles. Ela, porém, se sente deslocada dentro da própria família e vive em conflitos com o pai (Danny McBride), o qual teme que a filha fracasse na profissão por não ver muito futuro. Para tentar retomar as pazes, ele, junto com a esposa (Maya Rudolph) e o caçula (Eric Andre), decidem embarcar em uma viagem de carro para deixar a protagonista em Los Angeles. A aventura começa quando o sistema operacional de um magnata da comunicação se rebela e aciona robôs para dominar o planeta.
DE TALKING HEADS A ‘MADRUGADA DOS MORTOS’
Chama a atenção como a produção toca em pontos sensíveis e comuns a todos nós – a sensação de estranhamento perante os demais, a frustração das comparações provenientes do uso excessivo das redes sociais, a maquiagem da nossa realidade através de filtros ou fotografias perfeitas, os choques geracionais, a necessidade de encontrar o próprio caminho – sem perder o humor através de um olhar cínico. “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” consegue ser cirúrgico ao mostrar a corrida desenfreada das pessoas por wi-fi, a família ‘incrível’ dos vizinhos e os celulares como peças tão importantes como a comida e os talheres na mesa de jantar.
Tudo isso sem aquelas lições de moral tão típicas da Disney e sim adotando um tom anárquico. Por vezes, a animação pode soar histérica e exagerada, mas, até nisso consegue saídas brilhantes como quando Rianda e Rowe jogam e zoam com a expectativa do público ao mostrar a real razão do ódio do celular, líder da rebelião, em relação aos humanos.
A narrativa acompanha essa intensidade ao se utilizar da linguagem da internet para a construção e ritmo da história: pulam na tela emoticons de coração, memes e trucagens típicas de YouTube em uma velocidade absurda, mas, incapaz de fazer o espectador perder o foco nos personagens e nas diversas referências ao cinema e cultura pop – “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” homenageia de Talking Heads a “2001 – Uma Odisseia no Espaço” passando por “O Exterminador do Futuro”, “Tron” até “Madrugada dos Mortos”.
Apesar de todo este clima de deliciosa bagunça, “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” impressiona como consegue elaborar uma sensível história sobre sua protagonista muito além daquilo que está visível na turbulenta relação dela com o pai e no desejo de seguir pelo mundo do cinema. A pequena revelação feita no final do filme construída em pequenos detalhes durante a animação é para aquecer o coração daqueles que gostam de um cinema corajoso e inteligente.