Recentemente, Diego Bauer, integrante da Artrupe Produções e crítico do Cine Set, fez uma lista de cinco atores amazonenses que o cinema local deveria olhar com mais atenção. Isabela Catão estava entre eles e, se alguém por algum caso, torceu o nariz pela inclusão dela, “A Goteira” chega para mostrar quão grande é o potencial desta ótima atriz.

Dirigido e roteirizado por Bernardo Ale Abinader, “A Goteira” mostra a história de uma dona de casa enfrentando um incômodo problema com a pia de casa que não para de pingar. Enquanto tenta solucionar a goteira, testemunhamos a rotina da relação com o marido (Dimas Mendonça), um encontro com as amigas em um bar e um pedido inusitado a um limpador de para-brisas (Rafael César).

Formado no extinto curso de audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Abinader traz na breve filmografia outros dois filmes: “Os Monstros” (2016) e “Amém” (2017). O primeiro trata sobre relacionamentos abusivos a partir do conturbado fim de um jovem casal, enquanto o segundo aborda fanatismo religioso e homofobia. “A Goteira” segue a linha de dramas urbanos e questões urgentes da sociedade moderna, focando, desta vez, na classe média e suas hipocrisias.

Observa-se em “A Goteira” um refinamento maior na forma como as críticas sociais estão trabalhadas dentro da produção. Se em “Os Monstros” ainda havia uma inexperiência naturalmente clara e “Amém” beirava a histeria, o curta selecionado para o Festival Olhar do Norte 2019 adota uma linha mais comedida e elegante para destilar suas análises. O torpor da protagonista em relação ao próprio mundo, cercada dos velhos chavões de ‘o inferno são os outros’, sem perspectiva de dias melhores estão acompanhadas, muitas vezes, apenas do silêncio ou da completa paralisia.

Não à toa que o ponto alto do filme seja tão óbvio: toda a expressão corporal da protagonista vinda de um desespero angustiante, mas, silencioso, ao ouvir o plano de viagens das amigas e sem esperança de que algo mude em sua própria vida, são comoventes. A forma como Abinader conduz o momento, apenas deixando a câmera se aproximar lentamente, cria uma conexão entre o público e a protagonista de entendimento mútuo.

QUASE UM GRANDE FILME

Isabela Catão é a personificação disso. Passa longe de ser uma atuação óbvia, pois, o conflito se dá mais interno do que externamente, o que significa uma dificuldade maior em transpor isso para a tela. O olhar perdido nas próprias divagações, os gestos comedidos, a fala tranquila formam esta composição excelente. Guardada as devidas proporções, recorda trabalhos recentes como Casey Affleck em “Manchester à Beira-Mar“, Charlotte Rampling, em “45 Anos”, e Gracê Passos, em “Temporada“.

É uma pena que tudo o que circule a personagem de Catão seja tão ineficiente para amplificar o drama. Sempre com as mesmas perguntas, impulsivo e xingando todo mundo de vagabundo, o marido, por exemplo, torna-se uma figura extremamente caricata, o que fica ainda pior pela fraca atuação de Dimas Mendonça. Aliás, os diálogos vão na contramão do filme, pois, não possuem o refinamento proposto pela construção imagética da direção de fotografia de Valentina Ricardo. Por fim, apesar de Rafael César emprestar certo carisma em cena como o limpador de para-brisas, o desfecho soa forçado tanto quanto a própria ideia da goteira pingando ressoar uma analogia pouco inspirada.

Apesar destas irregularidades pelo meio do caminho, “A Goteira” revela-se uma satisfatória evolução de Bernardo Abinader como diretor de curtas-metragens. Percebe-se cada vez mais um entendimento sobre a narrativa e a forma de transpor isso imageticamente para a tela de maneira eficiente. Por outro lado, o curta ainda demonstra a necessidade de um melhor desenvolvimento do roteiro para que se atinja, de fato, o impacto que se queira alcançar nos discursos trazidos pelo filme.

Enquanto esta confluência não é atingida, podemos, pelo menos, ser testemunha de um talento de grande potencial chamado Isabela Catão.