A Sombra do Pai, segundo longa-metragem da diretora e roteirista Gabriela Amaral Almeida, de carreira reconhecida nos curtas-metragens, dá continuidade ao estilo instigante que a cineasta possui. Assim como no longa anterior, O Animal Cordial, este filme trabalha no campo da sugestão, do suspense atmosférico em que elementos fundamentais da cena estão fora de quadro, com o som (e a ausência dele em alguns casos) cumprindo papel determinante na construção de uma tensão crescente.

Desta vez, a trama acompanha o cotidiano de uma família despedaçada: Dalva (Nina Medeiros) é uma criança que vive com seu pai, Jorge (Júlio Machado), e a tia Cristina (Luciana Paes), em uma casa em luto por conta da morte da mãe da garota, esposa de Jorge. Pai e filha ficam com uma relação bastante abalada por conta do ocorrido, o que faz com que a menina fique mais próxima da tia. Mesmo assim, Dalva é bastante solitária e vai tendo suas primeiras descobertas sozinha. Ela acredita ser capaz de trazer a mãe de volta, piorando ainda mais o relacionamento com o pai ainda mais distante. Jorge também passa a enfrentar problemas no trabalho.

Através de uma decupagem que não entrega tudo, fazendo com que o som, o extracampo, e a própria imaginação do público completem as informações que estão na tela, A Sombra do Pai é um filme de visual elegante, normalmente com poucas informações no quadro. Amaral cria cenas densas através de elementos muito simples –  a boneca enterrada, o ambiente escuro durante a reza para Santo Antônio, os filmes de terror que a garota assiste, o clima fantasmagórico e ameaçador que a construção e a casa assumem por conta da iluminação em determinadas sequências.

Tudo isso evidencia a consciência que a diretora tem dos elementos que estão em cena, como podem ser ressignificados, escondidos, evidenciados para aumentar o clima de suspense. Aqui, ela foi novamente auxiliada pela excelente diretora de fotografia, Barbara Alvarez (A Mulher Sem Cabeça).

Sintoma Winding Refn

Mas toda essa qualidade não cria uma relação de causa e consequência em relação ao envolvimento com o filme. Apesar de todo respeito que “A Sombra do Pai” impõe devido a sua técnica, me parece um exemplo de filme com direção de primeira para um roteiro de segunda. Os enquadramentos, ritmo, transições, a maneira como cada cena se apresenta, criam uma relação de expectativa e/ou suspense envolventes, mas que são constantemente sabotadas por um roteiro que acredita que o seu drama é importante e deve ter mais tempo de tela.

Quando o que realmente funciona são as sugestões, a possível fantasia, a forma que já é algo, e que claramente é o que o filme tem de melhor. Parece que a direção é capaz de voar, enquanto o roteiro está preso a situações mal construídas, ou apenas desinteressantes, através de personagens que parecem possuir múltiplas camadas, mas que nunca se expandem satisfatoriamente.

Comparando estilos bem diferentes, mas com sintomas parecidos, parece-me o caso dos filmes de Nicolas Winding Refn, que são indiscutivelmente poderosos na maneira como criam atmosfera, ritmo muito apurado, cores, som, enfim, elementos que indicam um amplo domínio da linguagem cinematográfica, mas que acabam perdendo força por conta de tramas que não acompanham a mesma densidade, mas que ainda assim estão lá ocupando função maior do que deveriam.

Os personagens são caricaturas, até meio propositais. Jorge assume a figura de um zumbi confuso (as olheiras me pareceram exageradas), caminhando errante nas sombras, atormentado pela morte da esposa, do colega de trabalho, mas, que, na verdade é uma solução que torna o personagem terrivelmente apático, passivo, sem capacidade de surpreender, sem nuances.

Dalva, apesar do olhar sempre expressivo de Nina Medeiros, parece não ter aonde ir em seu conflito, que acaba se tornando uma espécie de dispositivo frágil para a criação de cenas em que o efeito alcançado é impedido de chegar a potência máxima devido a fragilidade das situações, como na cena da festa junina, ou do jogo do copo. Era pra ser tenso, mas acaba soando bobo.

A única que foge desse padrão é Cristina, (mais uma atuação muito boa de Luciana Paes, uma atriz para ficar de olho) que parece seguir o mesmo caminho dos dois personagens, mas que caminha para um senso de humor meio estranho que se torna benéfico a “A Sombra do Pai”. Sua personagem cresce exatamente por isso: a aparente apatia e passividade acaba sendo rompida ao se mostrar mais prática, agindo, criando uma relação afetiva com o namorado. Mesmo com pouco tempo de tela, o casal entrega elementos que o filme não possui, por isso o expande, levando pra outros lugares. Infelizmente, é a personagem com menos tempo de tela entre os três principais.

Porém esses “problemas” soam mais como características de uma boa cineasta que ainda vai amadurecer, do que como defeitos de alguém que não sabe o que está fazendo. Gabriela Amaral Almeida, sem dúvida, sabe o que quer, e tem boas ideias para alcançar isso.

E quando ela acerta, faz com que todo o resto pareça menos importante.