Há uma cena no terceiro episódio da minissérie “Amor e Morte”, disponível no HBO Max, na qual vemos a protagonista da história, uma dona de casa levando sua vidinha medíocre em uma cidadezinha no interior do Texas no final dos anos 1970, durante uma conversa com o marido. Ela fala sobre uma canção da cantora Carole King e diz que nunca entendeu a letra, mas que gostaria de ter um pouco daquela poesia em sua vida. É um momento tocante e humano, um de vários que testemunhamos na minissérie. Cortesia da atriz Elizabeth Olsen, que já vem entregando ótimos trabalhos de maneira consistente há alguns anos. Acima de tudo, ela é a melhor razão para se assistir à minissérie.

Em “Amor e Morte”, Elizabeth Olsen se alia ao roteirista/produtor veterano da TV David E. Kelley e à diretora Lesli Linka Glatter – que comandou episódios de alguns dos melhores seriados de todos os tempos, de Twin Peaks a Mad Men e Homeland – para contar a história da dona de casa Candy Montgomery, que resultou em um crime que ainda hoje provoca discussões na sociedade americana. A história real, inclusive, até rendeu outra produção recente, a minissérie Candy, estrelada por Jessica Biel e disponível no Star+. Não cheguei a ver Candy, mas com todo o respeito à senhorita Biel – ela é uma atriz esforçada – e a seus fãs, é difícil imaginar que haja nesta série algo comparável ao trabalho de Elizabeth.

Candy Montgomery tinha uma vida, na superfície, perfeita em Wylie, no Texas, em 1978: possui todos os confortos materiais, um marido provedor, dois filhos pequenos, uma casa grande e bonita e era bem vista na comunidade e igreja. Até que um dia, sentiu uma atração animal em um jogo de vôlei por Allan Gore (Jesse Plemons), homem casado que tinha uma vida um pouco menos perfeita – a esposa dele Betty (Lily Rabe) era uma pessoa difícil, dada a surtos depressivos, e o casamento deles não andava lá muito bem. Candy e Allan começam a ter um caso, não sem antes racionalizarem bastante o envolvimento – “vamos parar se começarmos a desenvolver sentimentos”, dizem um para o outro ao acertarem os termos do acordo. Porém, o caso vai acabar desembocando em um dos assassinatos mais infames da história dos Estados Unidos.

ENTRE A CRÔNICA SOCIAL E O TRUE CRIME

Os primeiros episódios de “Amor e Morte” são, curiosamente, os melhores. É quando se tem mais drama e mais subtexto a ser minado pelos atores. Além disso, há uma disposição para se discutir o mal-estar intrínseco a uma sociedade onde tudo é reprimido, e os sentimentos e o vazio existencial precisam ser sufocados em nome de uma adequação aos papéis sociais naquele momento histórico.

Olsen defende a personagem, mesmo fornecendo aqui e ali alguns sinais de uma personalidade mais furiosa e instável. Nas suas mãos, a Candy nunca é alguém para ser condenada pelo espectador; a luta para sair do marasmo é tocante e pungente.

Quando ocorre a reviravolta do assassinato, “Amor e Morte” passa a trilhar um caminho mais comum de várias outras produções baseadas em crimes reais. Percebe-se uma tentativa de psicologismo, de “explicar” Candy e os episódios passam a adotar um tom mais sensacionalista. Kelley não é estranho a uns clichês quase novelescos, e eles aparecem de vez em quando aqui, mas, de modo geral, a direção é tão competente e o ritmo é tão fluido que a minissérie mantém o interesse do espectador. Amor e Morte é facilmente maratonável e seus sete episódios passam rápido.

NO MEIO DE ‘BIG LITTLE LIES’ E ‘THE UNDOING’

Há outro trunfo nos últimos episódios, além de Elizabeth Olsen: Tom Pelphrey rouba a minissérie como o advogado desafiador e agressivo que se vê envolvido em um caso que chama a atenção do país. Sua atuação ora engraçada, ora determinada consegue, assim como ocorre com a protagonista, superar as perucas, o sotaque e a moda questionável do período e tornar o personagem humano, para além da caricatura.

Porém, acima de tudo, o que fica ao final é o retrato rico e sensível de uma mulher que tentou escapar da sua vidinha, sem perceber que não havia de fato escapatória. Essa Madame Bovary texana, com seus vestidos feios e jeito conservador, é quem permanece com o espectador. Kelley vem se tornando um especialista nesse tipo de narrativa: entre as recentes produções para a HBO, “Amor e Morte” fica ali no meio, não tão boa quanto a primeira temporada de Big Little Lies (2017), mas melhor que a irregular The Undoing (2020).

Aqui, os instintos se equilibram com a visão feminina da diretora, e o resultado é efetivo. Porém, o show é mesmo de Elizabeth Olsen, que sabe reconhecer todas as nuances da sua personagem ao mesmo tempo trágica, e instigadora de uma tragédia.