Quando criou Big Little Lies para a TV, David E. Kelley escreveu sobre a vida de três mulheres distintas que viviam em Monterrey, Califórnia. Entre traições, violência doméstica e disputas de ego, ficou claro que contar a crise dentro da classe alta norte-americana com o olhar feminino fazia sentido em tempos de #MeToo.

Anatomia de um Escândalo – baseada no livro homônimo do próprio Kelley – segue sendo um produto contemporâneo: o produtor troca o sol da Califórnia pelo ambiente  burocrático da Londres nublada, onde vive o primeiro-ministro James Whitehouse (Rupert Friend), acusado de abuso sexual pela assistente de trabalho – e amante – vivida por Naomi Scott.

Assim como o marido abusivo interpretado por Alexander Skarsgaard, Rupert Friend é, novamente, o rosto desta mesma figura mostrada sob duas óticas distintas: enquanto admirado como bom marido e pai, esconde uma violenta postura que a maioria desconhece. Em 2022, é inevitável que uma série sobre escândalos de figuras públicas sinta a necessidade de expor a reação midiática sobre esse tipo de caso.

A minissérie, entretanto, se propõe a discutir a situação para além das relações pessoais entre os envolvidos. Mapear o início, meio e fim da figura que sempre esteve destinada – por bem ou por mal – a ocupar o cargo que ocupa é a a tal anatomia que Kelley analisa como ponto de partida. E cabe à esposa Sophie (Sienna Miller) ser surpreendida ao se deparar com a desmistificação da tradicional família.

CONVENIÊNCIAS EM BUSCA DO CHOQUE

Os seis episódios ganham coesão de linguagem ao serem todos dirigidos por S.J. Clarkson (“Dexter”, “Succession”), veterana da TV, que encontra no foco e no desfoco da lente a forma de redirecionar pontos de   vista que estão em incongruência no mesmo ambiente. Os constantes flashbacks acentuam isso à medida em que a diretora marca as viradas que a história precisa e as traduz como uma telenovela curta que tardiamente se assume como tal.

A mistura de drama familiar, alta sociedade e burocracia dos tribunais é certeira por vir pós-“House of Cards” e “Succession”: a escolha de Kelley por traçar a ascensão do protagonista enquanto jovem de classe média/alta até ocupar um dos cargos mais importantes do país solidificam “Anatomia de um Escândalo” em si como esse grande enfoque ao drama pessoal da realeza.

Voltar no tempo e redescobrir o histórico de Whitehouse é a chave que determina o quão melodramática a série se assume ao combinar reações exageradas e conveniências que não escondem a necessidade de querer chocar.

Aos flashes que acontecem quase sempre a cada episódio aos previsíveis momentos de plot- twist, Clarkson escolhe a mesma maturidade dramática que uma novela – até nas cenas finais dos episódios, existem revelações que poderiam ter sido facilmente finalizadas com um freeze frame cafona.

O perfil do britânico classe alta realmente é menos interessante do que as madames de Monterrey. Inclusive, Anatomia de um Escândalo parece não encontrar tanta substância se comparada à recente safra de séries que satirizam o lifestyle dos ricos e da família tradicional.

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