Durante os 20 minutos iniciais, “Artic” tem cara de curta-metragem. Situa o protagonista (Mads Mikkelsen) em um ambiente inóspito, apresenta a rotina e desafios dele e, ao que tudo indica, encaminha para um final satisfatório onde ele é salvo. Porém, essa dinâmica é alterada quando o helicóptero que aparece para lhe salvar cai e cabe a ele resgatar a única sobrevivente do acidente (Maria Thelma Smáradóttir)

Através destes breves momentos de esperança seguidos do fracasso que a trama de “Artic” é construída. De uma forma eficiente, o espectador é capaz de acompanhar os 98 minutos de projeção sempre aguardando pelos próximos desafios que o piloto Overgård terá de enfrentar para salvar a si e a mais nova companheira.

Apesar do título, essa é uma informação totalmente irrelevante para a obra, assim como o nome da mulher que é salva. A questão da “identidade” como chave para entender quem é uma pessoa ou o porquê de se conectar com alguém é um dos pontos que o longa busca discutir. Basta apenas uma fotografia da mulher e sua família para que Overgård gaste tempo e energia para tentar salvar os dois.

Para o espectador, apenas a dinâmica de sobrevivência proposta pelo longa permite a rápida conexão com Overgård. Aos poucos, compreendesse a dimensão de seu personagem, já que não é pelos seus conhecimentos de primeiros socorros ou para pesca em um lago gelado que ele se destaca. O personagem de Mads Mikkelsen brilha nas horas de descanso, quando tira uma luva para pegar um peixe e sentir algo vivo ou após espantar um urso e Overgård mergulhar em lágrimas. É em cima destas curtas cenas que reside o maior valor de “Artic” calcado em um belo trabalho do ator dinamarquês.

ENTRE O INSPIRADO E O ESQUEMÁTICO

“Artic” também se destaca pelo desenho de som, algo até já esperado para uma produção sem tantos diálogos. É essencial para a trama o peso da respiração de Overgård, assim como o som da nevasca, criando uma dinâmica sonora entre a vida e a morte do personagem. Outro ponto positivo vai para a trilha sonora de Joseph Trapanese e sua harmonização com o som ambiente, dando o tom correto para os momentos de tensão ou calmaria, ainda que seja notável um certo exagero de sua presença onipresente.

Mesmo que tenha este cuidado com o lado sonoro, o mesmo não se pode dizer no lado visual. A fotografia de Tómas Örn Tómasson é irregular até demais, alternando entre planos mais fechados para mostrar intimismo e takes mais abertos revelando a magnitude da natureza frente ao homem, soando excessivamente esquemático. O mesmo se vê na montagem “industrial” de Ryan Morrison, onde alguns cortes são feitos com maior frequência para acelerar a trama, sem se preocupar em querer explorar a demora e apreensão, sentimento que deve ser primordial na situação em que se encontram os personagens.

Ao final, “Artic” é uma apresentação dos potenciais do brasileiro Joe Penna para o cinema. Para quem não conhece, o diretor já foi bastante famoso no YouTube com o seu canal Mystery Guitar Man, onde exibia sua criatividade em vídeos musicais experimentando com diversos canais de som e imagem. Mesmo que essa energia não tenha sido aproveitada 100% em “Artic”, é notável o seu esforço em construir um filme que consegue definir bem aquilo que quer discutir e contar com um excelente Mads Mikkelsen para dar corpo ao projeto.