A cultura do cancelamento permeia a internet às claras. Para o público com acesso  frequente, é impossível nunca ter ouvido falar sobre o termo. Vivemos o auge da exposição virtual e como opera a massificação para que os tais alvos percam – merecidamente – ou não – seu engajamento, carreira. Mas e o que vem depois?

“@ArthurRambo – Ódio nas Redes” é a nova obra do francês Laurent Cantet e chega para atualizar seus dramas naturalistas. Isso é uma praxe na filmografia do diretor como visto em “Entre os Muros da Escola” (2008), premiado com a Palma de Ouro, e “Recursos Humanos” (2009). Nestes filmes, fora a exterior necessidade de  encaixar-se dentro da era contemporânea, temos um roteiro que grita mais alto que qualquer enquadramento.

Karim D. (Rabah Nait Oufella) é um escritor que está em alta após publicar um livro inspirado na história da própria mãe. A rotina de entrevistas, festas e brindes parecem ser comuns para um jovem admirado nas redes. Isso muda quando vem à tona o perfil @ArthurRambo. Nele, tweets antigos são desenterrados, revelando amargura, ofensas, homofobia, discursos antissemitas e tudo o que hoje podemos classificar como discurso de ódio.

Cantet NA SUPERFÍCIE DO DEBATE

Em um solo fadado a lidar com conflitos religiosos e étnicos, a escolha de Cantet em “@ArthurRambo – Ódio nas Redes” para se atualizar dentro do cenário social, político e determinado pelas redes, se mostra direta – mas deveras previsível. O cancelamento se desenvolve em uma urgência real, precisa e sem surpresas: primeiro, o choque seguido de uma série de interrupções de contratos e ações de marketing. 

O passo-a-passo para arruinar a carreira de Karim é demonstrado como o mecanismo real que é, onde a internet engaja e que, no fundo, é como uma locomotiva do capitalismo que não pode parar. Independente do teor e veia política de cada usuário de Twitter que fez parte do linchamento virtual ao rapaz, toda a engenharia por trás dos algoritmos envolve, também, os perfis progressistas que dentro da plataforma não se importam em participar do linchamento de um trabalhador em ascensão.

Se o roteiro – também assinado por Cantet – é frio sobre a operação do cancelamento e dos tweets velhos feitos pelo Karim de anos atrás, paira no ar a sensação de que documentar o que já vivemos facilitaria qualquer esforço.

Parece que o diretor de certa forma sente-se confortável ao ser direto com essa história comum – porque, de fato, em 1h25, entendemos o ódio que faz o rapaz perder tudo o que construiu com seu trabalho, assim como as amizades do seu círculo-social. Consequentemente, estas pessoas passam a questioná-lo sobre as ofensas que  produziu, assim, documentando como toda a crise no ciberespaço pode influenciar diretamente as relações pessoais de qualquer indivíduo. 

Entretanto, se nada há para dizer após constatar o óbvio, um inevitável ‘’exílio’’ mostrado ao final do longa é até verídico, comparado aos influencers e celebridades que perdem engajamento e buscam no afastamento alguma forma de mudança ou arrependimento. Infelizmente, é uma escolha que não deixa de se mostrar insuficiente enquanto poderia auspiciar o que pode estar por vir, afinal, poderemos facilmente olhar para trás e perceber que a internet anda operando perto demais do Sol.

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