Nada consegue definir Assassino sem Rastro de forma tão definitiva, senão o momento onde Liam Neeson – cujo personagem sofre com sintomas do mal de Alzheimer – , escreve com caneta algumas informações no próprio antebraço. O ato, involuntário ou não,  reflete a experiência não-permanente de um pastiche policial que – enquanto um thriller de segunda – se faz com excelência e de forma despreocupada.

Sob a direção de Martin Campbell (“Cassino Royale”), o ator vive Alex Lewis, um assassino experiente e em decadência, cuja missão acaba por ser a reviravolta contra a organização criminosa que o contratara: Lewis descobre uma rede de tráfico sexual de menores e se rebela.

 A abertura, que não se preocupa em usar diálogos ultra-expositivos para situar o espectador, inicia com Neeson trajado como enfermeiro, num estacionamento, saindo do carro. Em poucos instantes, é estabelecida uma intro de experiência sensorial com o público: Lewis assassina o bandido que acabara de visitar a mãe doente.

A safra de longas que o rosto de Neeson anda a estampar é capaz de confundir qualquer um, pois, quem o ator interpreta – dentro dessas histórias – pouco importa. A urgência e o vigor estão sempre em primeiro plano nessas produções. Tratá-las com desdém gera uma complicação tanto quanto contraditória: quais as expectativas que um filme B deve cumprir? Detratar tais filmes, por executar convenções de gênero enquanto os mesmos apenas se preservam como tal, soa errôneo.

A colaboração do ator com o diretor Jaume Collet-Serra em “Desconhecido” (2011), “Sem Escalas” (2013), “Noite Sem Fim” (2015) e “O Passageiro” (2018) completam, sinceramente, das melhores coleções de policiais B que fomos agraciados na última década. E que seja louvável mesmo haver diretores que entendam a importância do entretenimento de qualidade condensado em curta duração.

PASTICHE HONESTO

Em “Assassino sem Rastro”, Campbell compreende o material e não ousa desvirtuar um caminho já traçado pelo próprio Liam Neeson. Até mesmo o bom policial, Vincent Serra, interpretado por Guy Pearce, é renegado a segundo plano até certo ponto, porque nesse nicho a imagem de Neeson deve perdurar.

Comparado a atores que estrelaram os mesmos tipos de produções, o norte-irlandês segue melhor sucedido do que Bruce Willis ou Nicolas Cage, por exemplo no que diz respeito a estrelar com excelência essa coletânea de pastiches.

O roteiro não deixa de conter um tempero de drama-naturalista, como uma realidade alusiva ao desaparecimento de jovens mulheres latinas que acabam sendo empurradas às redes de tráfico sexual nos interiores dos Estados Unidos, encabeçadas por magnatas. 

Muito se fala sobre a exaustiva equivalência dos thrillers de baixo orçamento protagonizados por grandes astros – mas até mesmo esse sub-gênero consegue extrair realidades suburbanas que a maioria dos blockbusters de Hollywood  tendem a esconder e, consequentemente, delimitar a vida americana apenas aos centros de Nova York.

‘Se eu estou aqui, significa que já é tarde demais” – diz Liam Neeson, evocando as mesmas sensações de Busca Implacável. É aqui, a síntese de uma produção que não deve ser vista como desonesta, de forma alguma.

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