O Brasil parece ser um país em que o passado e o presente vêm convergindo nos últimos tempos, e nesse contexto, o curta-metragem Atordoado, Eu Permaneço Atento, co-dirigido por Lucas H. Rossi dos Santos em parceria com o realizador amazonense Henrique Amud, chega como uma obra curta e grossa sobre um momento sombrio da história do país, que serve como registro e soco no estômago.
É um filme simples, mas que talvez seja efetivo por causa dessa simplicidade. Ele conta, em uns 15 minutos de duração, a trajetória do jornalista e pesquisador Dermi Azevedo, que reconta um pouco da sua vida em suas próprias palavras. Ele hoje está fragilizado pela idade e pelo mal de Parkinson, mas sua mente está bem ativa. Nós o ouvimos falar brevemente sobre sua infância, sobre o despertar da sua consciência política e sobre a época de repressão pela ditatura militar. Ele fala das prisões, das torturas, da agressão terrível a que seu filho foi submetido – detalhe, ele era uma criança à época – e do seu horror de hoje, ao ver muita gente ignorante, e alguns nem tanto, falando do período da ditadura com saudosismo e flertando com o fascismo.
A fala de Azevedo é acompanhada por imagens de arquivo selecionadas e montadas pelos diretores – Rossi é creditado pela montagem. Às vezes, o casamento entre a fala do entrevistado e a imagem na tela é bem “jornalístico”, ou seja, óbvio, por assim dizer: Cenas de violência e repressão policial quando ele começa a falar da ditadura, por exemplo. Em outros momentos, os diretores se permitem serem mais expressionistas nessa associação. Em dado momento, vemos cenas de guerras e destruição, e fotos em sequência como num daguerreotipo. Arranhões típicos de uma fita VHS desgastada percorrem boa parte do curta, como se ele fosse mesmo uma produção feita há muitos anos, o que ajuda nessa sensação de registro e a mexer com o emocional do público.
TRISTE REPETIÇÃO DA HISTÓRIA
E o efeito emocional do curta é bem forte. É um filme sombrio, claro, mas sem ser mão-pesada e apropriado ao contexto da sua narrativa. Quando finalmente vemos o rosto de Dermi Azevedo, enquadrado de perfil, depois de vários minutos ouvindo apenas a sua voz pesarosa, o efeito é de um baque. Baque porque os diretores e a imagem conseguem captar o peso de um homem que viveu um dos piores períodos da história do Brasil, e hoje assiste com desgosto renovado a muitas pessoas, incluindo o Presidente da República, relativizando o período da ditadura, e outros segmentos da sociedade desejosos de uma repetição disso.
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Talvez o filme pudesse ser mais detalhado, ou explorar ainda mais seu personagem, porém, mesmo assim, o curta cumpre o seu papel. A função de registro é uma das mais importantes do cinema, e Atordoado, Eu Permaneço Atento se constitui numa obra forte que propõe uma reflexão sobre o Brasil de um passado recente e sobre um possível futuro sombrio que se aproxima. É um filme inquietante, do jeito que precisava ser.