“No mundo dos ouvintes, os surdos são menosprezados. Eles acham que não podemos fazer as mesmas coisas que eles. Então, nós os derrotamos para provar que estão errados e mostrar que as pessoas surdas podem fazer qualquer coisa. Provamos a eles que não somos diferentes”.

Essa é uma fala de um adolescente surdo ao desabafar sobre os outros estudantes ouvintes e rivais de time que os subestimam. “Audible”, produção em cartaz na Netflix e indicada ao Oscar de Melhor Documentário de Curta-Metragem, é um diálogo necessário acerca da presença e inclusão das pessoas surdas na sociedade.

O filme apresenta a história de Amaree McKenstry e alguns de seus amigos – Jalen, Lera (sua namoradinha) e Teddy, que se suicidou recentemente. Como em um coming of age de forma crua e real, “Audible” mostra os anseios, as perspectivas de vida e expectativas para com o futuro desses jovens que, na condição de surdos, tem sempre que reafirmar suas habilidades.

Amaree é uma estrela da comunidade e da Escola para Surdos de Maryland, sendo um dos principais nomes do time de futebol americano – do técnico aos jogadores, todos são deficientes auditivos. É instigante ver a dinâmica entre todos, afinal, são unidos tanto pelo sucesso da temporada que se encerra como por uma vida com algo em comum que os aproxima.

UNIVERSO RICO DE GRANDES HISTÓRIAS

Com uma personagem principal tão interessante como Ameree, o diretor Matthew Ogens recorta com muita precisão a família, escola, comunidade e amigos do protagonista. Jalen está entre os destaques: surdo, negro, gay, afeminado, integrante das Líderes de Torcida e ex-namorado de Teddy, é lindo ver que ele tem toda essa rede de apoio, sem exclusão. Pelo que “Audible” retrata, aparentemente, ali não há espaço para bullying já que todos estão conectados por um denominador comum. Há muito zelo, cuidado entre todos.

Infelizmente, Teddy, por muitas questões internas, não conseguiu seguir adiante. E esse é um dos momentos mais lindos e tristes do filme. Certamente ser gay, negro, afeminado, surdo, adotado e com um futuro incerto, mas na certeza que será excluído de alguma forma, deveria ser doloroso. Diante destas ricas histórias, o curta deixa um gosto de quero mais.

“Audible” também acerta ao contar a história desses adolescentes que poderiam estar apenas preocupados como resultado final da temporada ou do Baile de Formatura que se aproxima. Mas é mais complexo. Depois disso, o que resta? Seguir em frente, enfrentar a vida. Em um mundo absorvido pela crueldade, pela exclusão, pelo racismo (Amaree e boa parte dos estudantes são negros/latinos e pobres), pela classe social, como não sucumbir em meio à expectativa da certeza da exclusão social?

Volto agora para o início desse texto quando um dos meninos diz que “então, nós os derrotamos para provar que estão errados e mostrar que as pessoas surdas podem fazer qualquer coisa” e podem mesmo. O que precisa é muito mais de inclusão social, mas acreditar na potencialidade, qualidade e talento das pessoas surdas que são tão capazes como qualquer outra pessoa socialmente lida como normal.

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