Aqui estamos, caro leitor: é o retorno da cobertura semanal da sexta e última temporada de Better Call Saul. Faz dois anos desde a quinta temporada, uma longa espera. Nesse meio tempo, a pandemia atrasou as gravações e o lançamento desta última fornada de episódios, e Bob Odenkirk teve um ataque cardíaco durante as filmagens, deixando fãs no mundo todo apreensivos. Felizmente, tudo deu certo e agora poderemos ver os últimos capítulos da jornada de transformação de Jimmy McGill para Saul Goodman.

E, a julgar pelos dois primeiros episódios lançados esta semana na Netflix… Será uma temporada tensa! É impressionante o quão bem azeitada é a máquina de produção da série: ao invés de relaxarmos um pouco depois do fim da temporada anterior, os roteiristas e produtores pisam no acelerador. Já começam de forma diferente, com um prólogo que se inicia em preto-e-branco como nos anos anteriores, e as cores berrantes das gravatas de Saul logo transformam a imagem.

Basicamente, estes dois primeiros episódios, “Wine and Roses” (Vinho e Rosas) e “Carrot and Stick” (Recompensa e Punição, em tradução livre), se dividem em dois focos narrativos. No primeiro, temos Jimmy e Kim embarcando num plano para destruir a carreira de Howard, como haviam insinuado – ou melhor, ela tinha insinuado – no final da temporada anterior.

Claro, a essa altura os esquemas de Jimmy/Saul já são parte intrínseca da série, mas presenciar a evolução da Kim é a verdadeira surpresa agora: ao final do segundo episódio, ao vermos ela destruir os dois velhos conhecidos golpistas lá do começo da série, e usando uma blusa colorida não tão diferente das de Saul por baixo do blazer, ficamos com a sensação de que um monstro foi criado ao longo da série. Por todo o seriado, Kim foi uma personagem confrontada por dilemas éticos, e agora ela parece ter finalmente escolhido seu lado.

 

E no outro foco narrativo, vemos as consequências do ataque a Lalo e a fuga de Nacho. É brilhante o modo como a direção e o roteiro do primeiro episódio estabelece, de forma não forçada, a estratégia de Lalo para forjar sua morte e então ficar livre para buscar sua vingança, no melhor estilo Exterminador do Futuro. Os elementos inseridos pelo roteiro – o tratamento dentário do vizinho dele, o pedido para que ele mantenha o bigode – adicionam ao lado maquiavélico do personagem, que a esta altura da série está mais perigoso do que nunca.

Já a fuga de Nacho rende um dos momentos mais eletrizantes da história do seriado – no mesmo nível das grandes cenas de suspense e ação de Breaking Bad – quando o pobre coitado busca escapar dos primos Salamanca e seus capangas no tiroteio num motel. Aliás, o segundo episódio – dirigido por Vince Gilligan – tem vários momentos sem diálogos, contando a história de maneira eminentemente visual. Já é chover no molhado dizer que Better Call Saul é mais cinema do que muitos filmes, mas é sempre bom repetir…

De resto, é novamente um primor ver dois episódios de TV tão bem construídos, que fazem uso tão expressivo de luz e sombras, e com referências legais que recompensam espectadores de longa data: Saul estaciona seu carro em frente ao restaurante El Camino (!), a volta do casal Kettleman, e até o cheque do banco Cradock Marine remete ao banco visto em episódios de Arquivo X, onde Gilligan começou a carreira.

E acima de tudo, é um prazer voltar a estes personagens, interpretados por este grupo de atores em estado de graça: a força de Jonathan Banks como Mike, o carisma de Odenkirk como Jimmy/Saul, e acima de tudo a imprevisibilidade de Rhea Seehorn como Kim e a impressionante atuação de Michael Mando como Nacho, que só cresceu com o decorrer da série. É a expectativa em torno do destino desses personagens que mantém o espectador assistindo, por mais que saibamos o que vai acontecer com alguns deles.

Mike diz a Gus, a certa altura do segundo episódio: “Seja lá o que aconteça, não vai transcorrer do jeito que você espera”. Se aplica à situação em que eles estão, mas aparentemente também se aplica à série.

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