Há uma cena neste nono episódio da temporada final de Better Call Saul na qual Jimmy e Kim retornam ao bom e velho escritório da firma de advocacia HHM, um cenário que víamos desde o começo da série. Nele, Clifford diz ao casal que a empresa em breve vai dispensar muitos funcionários e se mudar para um local menor. “É o fim de uma era”, ele lhes diz.

Este episódio, intitulado “Fun and Games” (Diversão e brincadeiras, numa tradução livre), parece justamente isso: o fim de uma era dentro do seriado. Mas o espectador só descobre isso quando se chega perto do final do episódio. Em si, é um segmento bem conduzido pelos atores e pela direção de Michael Morris, um momento de reflexão necessário depois do drama e do suspense dos episódios imediatamente anteriores. Ao final dele, realmente nota-se que Better Call Saul e a sua narrativa cruzaram uma porta e o que virá depois é um novo território, embora ainda guiado pelos acontecimentos passados.

UMA PAUSA PARA GUS

Ora, todo esse episódio parece construído para arrumar as linhas narrativas principais da série e, de certa forma, deixar alguns dos personagens no ponto de partida para quando os conhecemos em Breaking Bad. Primeiro, Gus: em uma cena tensa, ele se reúne com Don Eladio, Bolsa e os Salamancas e nela a encrenca que Lalo criou é resolvida, ao menos, na superfície. Há um belo momento de referência com um plano contra-plongée da câmera enquadrando Gus do fundo da inesquecível piscina de Don Eladio. Depois, Gus se reúne com Mike e a construção do laboratório é retomada.

No meio do capítulo temos uma cena curiosa que parece não se relacionar com nada: Gus em um restaurante conversando com o maitre’d, um conhecido. Sabemos que Gus é homossexual, então o que se tem aqui é um raro momento de descontração do personagem, um momento humano de um quase flerte, bem realizado pela atuação de Giancarlo Esposito. Porém, depois de um tempo, ele se recompõe e volta a ser o velho Gus. É uma cena bonita, sugerindo um caminho não trilhado para o personagem que vai morrer ajeitando sua gravata mesmo depois de ter perdido metade do rosto.

MERGULHO NO INFERNO

Mike, por sua vez, também precisa fazer as pazes com alguém que morreu. Ele procura o pai de Nacho, fala sobre o filho e promete que os Salamanca enfrentarão justiça. É outro momento que coloca o personagem no caminho de Breaking Bad e define como veremos Mike naquela série.

Prequels geralmente falham, mas Better Call Saul se destaca por não só se sustentar por si mesma, mas por enriquecer a série da qual é derivada. Essa cena em particular e tudo que aconteceu com Mike desde que se envolveu com Gus, adicionam novas camadas à figura que vemos em Breaking Bad.

E que belo plano enquadrando o Mike de dentro de uma lixeira em chamas, como se ele estivesse no inferno…

CAUSA E CONSEQUÊNCIA

E por fim, temos Jimmy e Kim, despedindo-se do seu morto e percebendo que as coisas nunca mais serão as mesmas. Eles vão até a HHM na cena descrita anteriormente para o velório de Howard e lá mentem de novo, agora para a viúva – Kim, em particular, se revela monstruosa na forma como mente. Claro, a essa altura elogiar a atuação de Rhea Seehorn já é chover no molhado, mas ainda assim vale repetir: ela arrasa de novo neste episódio, mesmo não aparecendo tanto. A mentira no velório combinada com o rosto de pedra na sequência de abertura do episódio, fornece a base para a decisão que ela acaba tomando. E essa decisão, de modo até súbito, nos joga no mundo de Breaking Bad.

Neste momento temos outro plano incrível, o que mostra Jimmy num espelho distorcido quando Kim revela sua decisão a ele…

“Fun and Games”, apesar do título, se concentra em uma noção amplamente clara do “universo albuquerquiano”, construída por Vince Gilligan e Peter Gould nas duas séries: até momentos que parecem não passar de diversão e brincadeiras sempre trazem consequências. Este episódio em especial tem um tom dramático e forte, pois, é nele justamente em que os personagens precisam encarar essas consequências. E com mais quatro episódios ainda por vir, podemos esperar por mais contas a acertar.