AVISO DE SPOILERS: Recomenda-se ler só após assistir ao episódio.

Uma das grandes diversões para se acompanhar durante toda a série Better Call Saul era ver personagens inteligentes armando golpes criativos – e engraçados – para enganar alguém. A expectativa para nós, o público, vinha de ver o “como” as pessoas seriam enganadas ou como os esquemas iam se desenvolver. E claro, se dariam certo ou não. Jimmy/Saul teve vários momentos assim, mas ele não foi o único personagem da série a armar seus golpes. Outros também o fizeram, nos deixando sempre na expectativa.

“Rock and a Hard Place” (Entre a cruz e a espada, em tradução livre), o terceiro episódio desta última temporada da série, é centrado em dois golpes, e as duas linhas narrativas prendem a atenção justamente por não sabermos o que vai acontecer – mais ou menos, porque em uma delas, ao menos, temos uma forte intuição sobre o que vai ocorrer. Porém, mais sobre isso à frente neste texto.

Na primeira linha narrativa, vemos Jimmy e Kim continuando seu plano para acabar com Howard. Acabam envolvendo o Huell nele, e sua perícia para copiar a chave do carro de Howard e armar um truque para poder bloquear ou não suas travas. Não sabemos, por enquanto, para onde isso vai. Mas é divertido de acompanhar, porque estamos investidos nos personagens e porque a sequência tensa da cópia da chave é bem orquestrada e filmada pelo diretor/roteirista Gordon Smith.

Nesse mesmo segmento do episódio, Huell pergunta a Jimmy porque está fazendo isso. E a assistente da promotoria revela a Kim que descobriu um bocado sobre as interações de “Saul” – como Kim a corrige – com o cartel. Isso deve render mais à frente. Em todo o caso, é ótima oportunidade para delinear ainda mais esses dois personagens, e mostrar como a Kim está afiada como uma navalha a essa altura da história – “você quer ser amigo do cartel, ou um informante?”, ela pergunta a Jimmy, secamente.

A propósito, a assistente da promotoria tem consciência de que Jimmy “sabe o que é certo”. Resumiu a tragédia do personagem em poucas palavras.

Porém, por melhor que seja essa parte do episódio, ela ainda empalidece um pouco pela tensão e força da outra narrativa. No primeiro ato do episódio, continuamos a ver a fuga de Nacho. Quando ele consegue ligar para Mike – a mesma ligação sinistra onde ficamos no episódio anterior – tem início o outro grande esquema do episódio. Um que envolve o sacrifício de um personagem que se tornou muito querido, e trágico, ao longo da série.

É por isso que sabemos, mais ou menos, o que vai acontecer aqui. Afinal, Nacho não está em Breaking Bad, série que se passa depois de Better Call Saul. O personagem que começou discreto nos primeiros episódios com o tempo despertou empatia, se mostrou inteligente e fez de tudo para salvar seu velho e honesto pai da vida de crime na qual havia se envolvido. Tudo isso contribui para a força da pancada emocional do desfecho do episódio.

Emoção ressaltada pelas escolhas da direção: um momento de detalhe mostrando a refeição sem graça de Nacho, ou o reflexo dele dividido em três ao ser enquadrado através de um copo de vidro, ou um plano revelando um pouco de dinheiro como um gesto de boa ação.

E, claro, o monólogo de Nacho a Hector Salamanca. Se por acaso alguém ainda acha que Michael Mando não merece uma indicação ao Emmy – mesmo depois do seu trabalho nestes três episódios da sexta temporada – então as palavras que ele praticamente cospe na direção do chefão do crime devem acabar com qualquer dúvida.

É mais um dos brilhantismos da série: Sabemos de certa forma o que vai acontecer em muitos dos esquemas. Desde que começou a ser informante de Gus Fring junto aos Salamancas, o destino de Nacho já estava mais ou menos traçado, não é mesmo? Mas o “como”, ah, isso faz muita diferença nas mãos de habilidosos contadores de histórias. O “como” pode resultar numa grande força emocional dentro de uma narrativa, e sempre pode conter dentro de si um elemento de imprevisibilidade – afinal, no prólogo do episódio já vemos algo imprevisível, chuva no deserto.

E olha que só estamos no terceiro episódio… Quantos mais “comos” ainda estão por vir?