Alfred Hitchcock uma vez disse que o cinema é como a vida, “mas sem as partes chatas”. Podemos extrapolar essa citação e dizer que Black Summer é como The Walking Dead, mas sem as partes chatas. Em se falando de zumbis atualmente, a maior referência ainda é a série do AMC que já se aproxima de completar uma década no ar. A série da Netflix, em alguns aspectos, parece uma reação à sua concorrente mais famosa. Black Summer é ágil, os episódios são curtos e grossos, e não se vê nem sinal do chororô quase de novela, das cenas com personagens “conversando sobre seus sentimentos” e da enrolação a que, infelizmente, os espectadores de TWD tiveram de suportar desde o início da série.

Como em qualquer história de zumbis, acompanhamos um grupo de sobreviventes. Porém, aqui é bem perto do momento em que “a vaca vai pro brejo” – na verdade, a série é um spin-off, um derivado da outra série de zumbis do momento, Z Nation, a qual, confesso, não assisto. Temos a mãe em busca da filha (Jaime King), um criminoso que assume a identidade de um soldado do exército (Justin Chu Cary), uma moça coreana (Christine Lee), um sujeito casca-grossa (Sal Velez Jr.), um rapaz (Kelsey Flower), e mais alguns outros. Quase sem armas ou recursos, eles acabam se juntando enquanto percorrem uma região assolada por mortos-vivos e outras pessoas tão ruins quanto. O objetivo é chegar ao estádio municipal, onde vai haver a evacuação, e é onde a filhinha da protagonista está.

E… é isso. Black Summer é definida pela ação e pela tensão: ao longo dos oito episódios há poucos momentos de descanso, pois vemos os personagens sendo constantemente seguidos por uma câmera tensa, nervosa. Dentre a equipe do seriado, destaca-se o nome do co-criador, produtor-executivo e diretor de vários episódios, John Hyams, e vale a pena um aparte para falar sobre ele.

Filho do cineasta Peter Hyams, diretor de vários espetáculos de ação e ficção-científica dos anos 1980 e 1990, incluindo alguns com o astro de ação Jean-Claude Van Damme, John seguiu os passos do pai e enveredou pelo cinema de gênero demonstrando um inteligente e energético domínio de câmera. Ele veio até a trabalhar com o astro dos filmes do pai, Van Damme, em Soldado Universal: Regeneração (2009) e Soldado Universal: Juízo Final (2012), dois filmes que não vão explodir as mentes de ninguém, mas que possuem coisas muito interessantes, especialmente na forma como são filmados. John Hyams, definitivamente, é um nome para se prestar atenção.

RITMO ACELERADO SEM TEMPO PARA PERDER

Não há dúvidas de que grande parte da energia de Black Summer vem de Hyams. É ele que dá o tom no primeiro episódio: longos planos-sequências – claro, compostos com auxílio de computação gráfica – e uma montagem precisa fazem com que o espectador mude o foco de um personagem para o outro enquanto acompanhamos a desgraceira em que todos estão metidos. O trabalho sonoro da série também é muito acima da média: os tiros, os silêncios e sussurros dos personagens, tudo contribui para a sensação de tensão. Ora, o sexto episódio praticamente nem tem diálogos. O quarto episódio é focado em mostrar um dos personagens sendo perseguido por um zumbi por quase 40 minutos. Vale tudo aí: câmera na mão – mas sem causar dor de cabeça – e montagem frenética, junto com até alguns lampejos de ironia, dão vida a um episódio que deixa o espectador cansado, tal e qual seu protagonista.

Assim, Black Summer se move como um carro acelerado: é ação com mortos-vivos, sem os dramas muitas vezes superficiais de TWD, e nesse aspecto, é bem satisfatória. Ora, aqui os zumbis nem são aqueles lentos e caquéticos da concorrência e dos filmes de George Romero; são corredores estilo Madrugada dos Mortos (2004) ou Guerra Mundial Z (2013). Essa correria tem seu preço: não há caracterização na série. Simplesmente não sabemos quase nada sobre os personagens, não há profundidade, nem nada realmente novo dentro do subgênero zumbi. Por causa disso, a série até parece mais um experimento do que uma narrativa sustentável – Não consigo nem imaginar uma eventual “segunda temporada”, a não ser que a série siga o rumo da antologia.  Mas divago…

Quanto mais se assiste à série, mais se tem consciência de que opção pela ação e pela tensão em detrimento do drama é proposital da parte dos seus realizadores. O espectador que aceite ou não. Black Summer pode até ser só ação desenfreada sem substância, mas TWD nos provou, ao longo dos anos, que, às vezes, tentar ter “substância em demasia” não necessariamente resulta em algo bom.

*Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.