Bernadette Fox (Cate Blanchett) é uma brilhante arquiteta que abandonou a carreira após uma terrível decepção em uma de suas grandes criações. Ela mora em Seattle com o marido Elgie (Billy Crudup) e a filha Bee (Emma Nelson) com quem tem uma relação de amizade e dedicação integral. Após uma série de problemas pessoais, como atropelar a vizinha, tomar diversos remédios controlados e ser antissocial com todos ao seu redor, Bernadette desaparece e se lança em uma jornada em busca de realizar um projeto quase impossível na Antártida, como forma de se reencontrar como profissional e ser humano.

No longa, Richard Linklater põe em tela todos os artifícios pelo qual ficou conhecido. Seja pelos diálogos longos, expositivos até demais nesta obra, a exploração das banalidades da vida repleta de sarcasmo, críticas a uma sociedade que super valoriza a popularidade, como a própria Bernadette diz no filme. A obra é uma tradução ácida e ávida do papel social da mulher no século XXI. No entanto, o novo longa-metragem do cineasta não tem poesia presente nos pequenos momentos e muito menos cenas inesquecíveis.

“Cadê Você, Bernadette?” é um retrato simpático do cotidiano, repleto de personagens clichês e caricatos que não exercem empatia com seu público, com exceção de Cate Blanchett, verdadeiramente espetacular em seu papel. Ela e a filha Bee são as únicas com arcos dramáticos bem definidos, crescem à medida que os percalços da vida vão aparecendo. A química entre o trio Cate, Emma e Billy é irretocável. Um exemplo de família repleta de problemas, crises, com a única certeza que se amam e se perdoam.

A ATRIZ PERFEITA

O ponto alto da obra do cineasta é sua protagonista e o roteiro, adaptado da obra de Maria Semple que é, em sua base, uma história simples de uma mulher em crise e repleta de neuroses sobre a vida. A casa em que vive é um estado claro da personagem: abandonada, bagunçada, com as paredes cheias de mofo e quase caindo aos pedaços. No primeiro ato, ela nos é apresentada como uma mãe amorosa, uma mulher excêntrica e nervosa que vive uma clara crise no casamento com Elgie, um viciado em trabalho e gênio da computação. No desenrolar da trama, vamos percebendo que todas temos algo de Bernadette, seja seu espírito perdido, suas responsabilidades ou suas desilusões, até porque, as mulheres em algum momento da vida já se sentiram perdidas, desesperançadas.

A especialidade de Linklater em explorar a humanidade de seus personagens é possível apenas com a interpretação de Blanchett, difícil imaginar uma atriz mais perfeita para o papel. A direção de arte é pontual, assim como a montagem fluida que nunca deixa o filme cansativo, nem em seu terceiro ato, que é o mais problemático do filme.

Diferente do que se pode conferir no trailer, não é Bee que conduz a trama com sua procura a mãe perdida, uma vez que todos sabemos onde está Bernadette e o que pensa aquela mulher excêntrica. A narração da filha, o marido perdido em busca de resposta só faz com que a trama de Linklater pareça simplista demais para um diretor como ele, utilizando artifícios escapistas, fáceis e até vergonhosos para apresentar sua história e finalizar seu filme. ‘Cadê você, Bernadette?’ que por si só seria uma boa diversão, finaliza sendo uma história, no máximo, simpática.

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...