A primeira coisa que você deve saber acerca de “Caros Camaradas” é que estamos diante de um filme forte, necessário e que ainda se apropria de causas hoje presentes estruturados em uma sociedade desigual. Dito isso, vamos ao filme.

“Caros Camaradas” narra um momento turbulento em uma cidade da antiga União Soviética. Sua população sofria com a inconstância dos impostos: todos os dias os preços aumentavam, a incerteza imperava e a fome para alguns era uma realidade. A população estava em desespero e o estopim para um movimento drástico foi a diminuição dos salários dos trabalhadores de uma grande fábrica local. Com isso, a revolta não poderia ser outra senão a greve e a luta dos operários por condições melhores de trabalho, salário e de vida.

Esse momento importante na história recente das lutas sociais ficou conhecido por O Massacre de Novocherkassk, pois, entre os dias 1° e 2 de junho de 1962, trabalhadores em greve, unidos, se voltaram contra esta fábrica com o apoio dos operários de outras empresas do setor. Claro, o sistema opressor do Estado – estamos falando de Comunismo – junto ao Exército e à KGB local, na falsa simetria de ordem, atirou contra os manifestantes, executando alguns e deixando outros feridos.

Essa tensão é vista pelos olhos de Lyudmila Syomina (Julia Vysotskaya, excelente!), uma mulher madura e uma trabalhadora ferrenha do governo comunista. Objetiva e perspicaz, ela aos poucos compreende o que de fato acontece ao seu redor quando sua filha, Syetka (Yuliya Burova), uma das operárias e manifestantes, some e, em meio ao caos e uma ditadura instaurada, vai atrás do seu paradeiro.

‘AS COISAS SERÃO MELHORES’?

O diretor Andrei Konchalovsky (“Paraíso”) tem um olhar muito objetivo, sensível e esclarecedor. Vale lembrar que até pouco tempo atrás, essa fase histórica não era comentada, assunto proibido. “Caros Camaradas” tem um viés acusador, mas também para relembrar esse momento de inconstância, vidas perdidas e direitos negados.

Sua fotografia em preto e branco nos conecta com sua narrativa precisa; é como se esse período não houvesse cor, brilho. A falta de cor aqui é sensação da injustiça social e no cerceamento do direito de ir e vir, como no banho de sangue em uma cena fortíssima. Ele desconstrói o comunismo então presente.

A luta trabalhista não é de hoje: Karl Marx já alertava sobre isso ainda no século XIX quando, em síntese, discursava acerca da importância do proletariado em se unir contra o sistema capitalista e burguês. Pois o elo dominante, na base de uma estrutura desigual, coordena o sistema, impõe as suas necessidades. E é nisso que os trabalhadores deveriam focar, em desestruturar este domínio. Infelizmente é algo que se prolonga nos dias atuais.

“Caros Camaradas” é um bom filme que induz ao debate e desintegra o Comunismo daquela época. É um ode as vidas perdidas e também à causa que nunca deixa de envelhecer, pois enquanto houver essa base de pirâmide social e de luta de classes, sempre haverá revoltas e lutas. Na sequência final, a protagonista diz: “as coisas serão melhores”.

Me pergunto até que ponto essa utopia será uma certeza.

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