Se a palavra Gucci ao ser dita soa como algo doce, mas, carrega uma maldição simultaneamente como diz Patrizia Reggiani, dois momentos podem ser considerados simbólicos desta definição: o primeiro está na transformação do olhar de Patrizia ao ouvir o sobrenome vindo da boca de Maurizio (Adam Driver) no momento em que os dois se conhecem, enquanto o segundo surge rápida e premonitoriamente quando ela xinga o agora marido de cretino. 

Não à toa que a estrela destes momentos seja justamente a grande razão de ser de “Casa Gucci”, suspense dirigido por Ridley Scott sobre a transformação do comando da grife italiana e do assassinato de Maurizio Gucci no dia 27 de março de 1995 a mando da ex-esposa Patrizia. Lady Gaga domina as atenções naturalmente desde a sequência de abertura ao desfilar elegantemente por um terreno empoeirado para deleite dos funcionários do pai até o desespero de ver todos os sonhos de grandeza ruírem já na reta final.  

Se Patrizia se vê comparada a todo momento a Elizabeth Taylor, Gaga utiliza a estrela de “Quem tem Medo de Virgínia Woolf?” como referência não apenas nos figurinos exuberantes e no penteado volumoso, mas, também no domínio de cena absoluto, o que torna tudo a seu redor praticamente irrelevante. Por isso, os primeiros 40 minutos de “Casa Gucci” concentrados na alpinista social com aura de adorável vilã novelesca de sotaque carregadissímo passam rápido e dão indícios de que estamos diante do melhor filme de Ridley Scott desde “Gladiador”. 

“Casa Gucci”, entretanto, tem mais 110 minutos e aí os problemas começam… 

DISFARÇANDO AS EVIDÊNCIAS 

A partir do romance escrito por Sara Gay Forden, a dupla de roteiristas Becky Johnston e Roberto Bentivegna demonstra uma clara dificuldade de estabelecer o real foco de “Casa Gucci”. Será um filme sobre Patrizia Reggiani? As motivações da decisão dela em mandar matar o marido? Ou seria a transformação de Maurizio de um sujeito desinteressado nos negócios da família para uma figura discretamente ambiciosa? Uma alegoria sobre pessoas patéticas e geniais ao mesmo tempo? A trajetória da marca Gucci de empresa familiar para capital aberto com potência atual? 

“Casa Gucci” tenta ser isso e mais um pouco sem alcançar absolutamente nada no frigir dos ovos. Todas as tramas e subtramas vêm e vão sem maior aprofundamento – do encontro entre Patrizia e Pina Auriemma (Salma Hayek) ao próprio plano da personagem de Gaga para tirar do caminho Aldo (Al Pacino) e Paolo (Jared Leto) tudo fica na superfície. A direção de Scott tenta disfarçar estes vazios caprichando na escolha da trilha entre o clássico e o pop de hits de George Michael, Blondie, Donna Summer e New Order, além, claro, de tudo o que poderia ser oferecido de direção de arte, figurino, penteados e maquiagem primorosos.  

Jared Leto aposta em uma atuação bem Oscar bait em “Casa Gucci”.

 

Por falar em maquiagem, triste ver Jared Leto no momento mais vergonha alheia de 2021. Ok a proposta ser mostrar como o poder, luxo e riqueza em excesso tiram as pessoas da realidade, porém, a atuação do ganhador do Oscar chega no nível constrangedor ao transformar Paolo em um sujeito abaixo do ridículo. A reação às duras palavras do tio Rodolfo (Jeremy Irons) e a passagem no estacionamento dispensam qualquer comentário. Irons e Al Pacino sofrem com personagens inseridos e retirados da trama quase que aleatoriamente, sendo relevantes graças ao talento dos dois. Por fim, Adam Driver teria tudo para ter a atuação de uma vida não fosse a inconsistência dos rumos de “Casa Gucci”, impedindo a total dimensão da transformação vivida por Maurizio. 

A comparação feita por um crítico internacional de que “Casa Gucci” seria um “O Poderoso Chefão” do mundo da moda não chega a ser de todo equivocada, afinal, igual a obra-prima vencedora de 8 Oscars, o suspense oferece uma história principal cercada de tantas outras subtramas ricas e acompanhadas de potenciais ótimos personagens. Porém, diferente de Coppola, Scott não consegue mais ser o cineasta de outrora capaz de conectar estes diversos pontos, restando o apelo visual e suas grandes estrelas para salvar seus projetos. Sorte dele ter Lady Gaga, uma estrela magnetizante (quase) capaz de encobrir todas as decepções de um projeto promissor. 

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