Pegue O Massacre da Serra Elétrica (1974), o clássico do terror norte-americano, e imagine se Leatherface, o maníaco daquele filme, tivesse uma amiga, e você terá uma noção do que é Cerdita, terror espanhol da diretora/roteirista Carlota Pereda que passou na mostra Midnight, de filmes alternativos e estranhos do Festival de Sundance 2022.

A comparação é apropriada porque o filme já evoca paralelos com o clássico de Tobe Hooper desde o começo ao vermos um cenário ensolarado de uma cidadezinha no interior espanhol e pedaços de suínos e bovinos sendo cortados em um açougue. Sara, a protagonista, é uma jovem que trabalha no açougue da família. Ela sofre bullying brutal dos colegas de escola – especialmente das meninas – por estar acima do peso. Certa tarde, ela descobre que há um assassino matando os jovens por ali e também descobre quem ele é. Ao invés de denunciá-lo, porém, Sara resolve deixá-lo agir para se vingar daquelas pessoas terríveis…

Em Cerdita (que se traduz por “porquinha”, o apelido pelo qual os jovens chamam a protagonista), Pereda faz uma obra sobre o horror do bullying e a vingança do oprimido. O longa, aliás, é a expansão de um curta que ela tinha feito em 2018. Percebe-se que é um trabalho muito pessoal para a diretora que, de modo geral, administra bem o clima de suspense da história, especialmente no início espetacular. Assim como em Massacre, boa parte do horror ocorre de dia, em momentos rapidamente captados pela câmera, e em detalhes que ficam implícitos e colocam para funcionar a imaginação do espectador.

“Cerdita”  também ganha muita força pela atuação de Laura Galán como Sara. Ela dá vida, de modo real, a uma personagem que desperta empatia e possui sensibilidade, mas também um lado sombrio. E a história não se furta a abordar a complexidade dessa figura.

ECOS DE ‘CARRIE’

E felizmente essa complexidade é bem-vinda. Na trama, uma das meninas, Claudia (Irene Ferreiro) não é uma pessoa ruim, é apenas uma daquelas que embarca no bullying pela pressão do grupo ao seu redor. Alguém assim merece a punição que, indiretamente, Sara está administrando sobre ela? Questionamentos como esse fazem muito bem à narrativa, que nunca analisa a questão de modo unidimensional. E adicionando à complexidade, também se percebe um subtexto de atração sexual da adolescente Sara pelo misterioso assassino.

Contudo, apesar dessas qualidades, é preciso dizer que lá pelo meio do filme, Pereda perde um pouco o controle da sua narrativa, quando se percebe que o roteiro exagera na burrice da polícia local para funcionar nos seus termos. E alguns momentos em que o filme tenta casar humor sarcástico com terror também não funcionam de todo.

Felizmente “Cerdita” se recupera no final entregando a sanguinolência que estava sendo represada até então e, graças a um ótimo trabalho sonoro e efeitos de maquiagem, cria momentos realmente angustiantes e um desfecho à altura do início, banhado a sangue. De certa forma, o longa de Carlota Pereda também se relaciona com outro clássico do terror, Carrie, a Estranha (1976), de Brian De Palma, outra obra que já abordava o bullying quando esse termo ainda nem tinha sido cunhado. Não à toa, suas duas heroínas acabam suas histórias banhadas em sangue, tendo experimentado horrores físicos e sobretudo emocionais.

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