Nova minissérie da HBO, “Chernobyl” traça todos os fatos que ocorreram após o desastre nuclear na região durante o regime da União Soviética. Apesar de ser um fato histórico conhecido publicamente, o enredo revela como o caso ficou cercado de ocultações e mentiras nos registros oficiais divulgados. É isso que torna a produção tão fascinante: revelar o verdadeiro custo que mentiras podem ter quando várias vidas estão em jogo.

Criada por Craig Mazin – conhecido por ter escrito filmes das séries “Se Beber, Não Case” ou “Todo Mundo Em Pânico” – “Chernobyl” embarca em uma profunda reconstrução dos acontecimentos que ocorreram na cidade de Pripyat após o acidente. Percebe-se de imediato que algo está errado em toda a situação quando você sente a completa ausência da sensação de urgência diante do caso. Esta só começa a surgir a partir do segundo episódio quando um cientista interpretado por Jared Harris (“Fringe”, “Lincoln”) revela a grandeza da catástrofe.

A série vai apresentando em cadeia as reações de causa e efeito na população contaminada, incluindo, até mesmo os animais domésticos e selvagens. Diante disso, “Chernobyl” não poupa o espectador dos momentos mais desesperadores possíveis. A cada minuto, um novo desafio e uma nova tragédia a ser evitada, não existe nada de feliz ou esperançoso na narrativa. Os personagens lidam o tempo todo com decisões importantes e com um custo alto em retorno.

Mesmo diante deste desastre, “Chernobyl” revela como a URSS concentrou maiores esforços na imagem externa do país do que na assistência às vítimas. Esta omissão do governo soviético contribui para os efeitos devastadores do acidente, sendo irônico perceber, no fim, como a tragédia foi um dos responsáveis pelo colapso do regime.

Por isso, a produção destaca o valor dos cientistas, fundamentais para resolver todo o problema e atenuar o sofrimento das vítimas. Diante de um Estado omisso e que omitir sua incompetência, os cientistas acabam sendo os indivíduos que irão a todo custo descobrir a verdade. A personagem Ulana Khomyuk (Emily Watson) simboliza todos estes profissionais envolvidos no caso.

VERDADE SEMPRE VEM À TONA

Diretor de episódios em séries como “Breaking Bad” e “The Walking Dead”, Johan Renck cria um estado de tensão latente na série mesmo quando os personagens estão em uma apatia profunda. Ele acerta em filmar a série com pouca luz artificial e deixar as belas paisagens urbanas e rurais de Pripyat revelarem o tamanho da tragédia. O som dos leitores de radiação também se torna um eficiente recurso dramático gerando tensão, pois quanto mais os indivíduos se aproximam dos restos do reator, mais rápido eles apitam.

Por outro lado, apesar de Craig Mazin, com perspicácia, perceber que são as mentiras do caso o elemento fundamental para o ocorrido, roteirista acaba entrando numa cilada ao tentar excessivamente apontar culpados e forçar situações fazendo juízos de valores e criando maniqueísmos. Na cena do julgamento do desastre onde o cientista Valery Legasov (Jared Harris) apresenta todas as mentiras que disse ao mundo ocidental e expõe o regime soviético, o texto assume um viés moralista.

Porém, durante a série, começa a ficar óbvio que o mais importante não é quem culpar pelas falhas, mas sim, revelar as mentiras da tragédia, como essas pessoas lidaram com as consequências do desastre, como isto afetou as suas vidas e quais procedimentos foram feitos para salvar a humanidade.

Como demonstra esta grande minissérie da HBO, os poderes governamentais, independente de qualquer viés ideológico, irão sempre priorizar seus interesses em detrimento da população, por mais impopular que suas decisões possam ser. “Chernobyl”, pelo menos, mostra que não importa quantas mentiras são contadas, uma hora, a verdade sempre vem à tona e ela custa muito caro.

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