Collective” é, provavelmente, o filme mais marcante desta temporada de premiações. O documentário dirigido por Alexander Nanau traz à tona denúncias concernentes à corrupção no Ministério da Saúde romeno, algo super atual no período pandêmico e que dialoga com precisão com o Brasil contemporâneo. Na verdade, é impossível assistir ao documentário e não remeter a alguma situação vivenciada em nosso país e refletir sobre os processos socioculturais instaurados na “Pátria Amada, Brasil”.  

A identificação já decorre nas primeiras imagens do filme e no desenvolvimento de sua narrativa. Acompanhamos um show na boate “Collective” que culminou em um incêndio com mais de 20 mortos e 38 feridos que viriam a óbito alguns dias depois. Essa situação inicia uma investigação dos jornalistas do Gazeta Sporturilor que decidem investigar o que havia por trás dessas mortes. A partir daí, podemos destacar dois pontos que chamam atenção na condução de Nanau: a aula magistral de jornalismo investigativo e o paralelismo com o Brasil. 

Jornalismo de Primeira Qualidade 

Apesar do Gazeta Sporturilor ser um veículo especializado em jornalismo esportivo, a aula do papel social do jornalismo já se inicia quando eles se propõem a fazer uma investigação distante do foco óbvio de sua identidade comunicacional. Essa decisão é determinante para o que vemos no decorrer da narrativa. Nanau utiliza a observação para contar sua história; não há entrevistas e nem offs conduzindo a trama; é como se o espectador fizesse parte da equipe e estivesse a par de suas movimentações.  

Tal escolha é importante para não pesar a mão em relação ao drama natural presente em “Collective” e, ao mesmo tempo, causar impacto e revolta em quem o acompanha. Sabe aquela máxima do Twitter: “não há nada tão ruim, que não possa ficar pior”? Isso acontece com frequência no documentário – a cada nova descoberta, fica perceptível a fragilidade do sistema de saúde romeno, gerando revolta, tristeza e aflição. 

Quanto maior o aprofundamento na investigação, mais nítido fica que o incêndio foi apenas a ponta do iceberg de um sistema corrupto e enganoso. Até o momento em que a matéria estava sendo produzida, o governo da Romênia afirmava que sua rede de hospitais era tão eficaz quanto os grandes centros médicos europeus. Negando, inclusive, transferir pacientes mais graves para os outros países por afirmar ter condições de tratá-los. Esse era um dos grandes trunfos propagandistas, contudo o tratamento oferecido nos hospitais e o uso de materiais de baixa qualidade comprovaram que era apenas falácia.  

Isso é importante para percebermos o quanto o bom jornalismo é fundamental para manter a população a par do que acontece no núcleo das movimentações políticas, econômicas e socioculturais. Nanau é sutil e prático em mostrar como o jornalismo investigativo, também, pode ruir as estruturas governamentais por dentro. Importante destacar também que “Collective” se preocupa em mostrar as consequências dessa investigação tanto em níveis pessoais – como a ameaça aos familiares dos jornalistas – quanto em esferas públicas como a troca de ministros e o destino dado ao dono da empresa de diluentes, que me lembrou bastante a situação dos países do Leste Europeu durante o regime comunista.  

A ineficiência brasileira 

Foi inevitável assistir ao filme e não recorrer a situação latente no Brasil. Embora seja um senso comum a curta memória do brasileiro, o incêndio na Boate Kiss em Santa Maria (RS) e seus desdobramentos ainda nos assombram. E “Collective” nos faz reviver essa história e, de certa forma, a dor evocada com ela. Um exemplo disso é a sobrevivente que aparece intermediando momentos narrativos; mesmo que a pretensão tenha sido aliviar o mergulho aflitivo na investigação jornalística, fiquei pensando nas vítimas em Santa Maria; em como elas estão hoje, como superaram o incidente e como isso influenciou em suas vidas.   

Outro aspecto que também remete a situação brasileira é o envolvimento político. Não apenas pela troca de ministros, que se tornou uma referência ao governo bolsonarista, mas pelo caos instaurado na saúde romena. Obviamente que se um sistema é fraco e opera em seus níveis mais elevados quando faz o mínimo, qualquer dose além do esperado provoca uma tragédia épica. Assim como vivenciamos isso no auge da pandemia em abril de 2020 e voltamos a passar com mais intensidade em janeiro de 2021 em Manaus, essas situações são fatores determinantes para que o caos exploda e fique visível a corrupção e incompetência da gestão atuante.   

Nanau teve mais um trunfo em suas mãos que foi a permissão de filmar as reuniões do novo ministro da saúde para conter a crise. O documentarista aproveitou a oportunidade para mostrar os bastidores de forma crua e real. Independente de suas intenções, isso fez de “Collective” uma obra política nata, pura e arrebatadora. Uma verdadeira aula de jornalismo, investigação e política. Com certeza, um forte candidato nas duas categorias que concorre ao Oscar.