Singelo e encantador, “Dafne” é um filme ousado. Dirigido por Federico Bondi, o drama italiano possui elementos que poderiam levá-lo ao desgaste e até mesmo ao paternalismo piegas, mas o diretor consegue dosar a medida certa para contar o desabrochar de uma jovem com Síndrome de Down.

A narrativa acompanha Dafne (Carolina Raspanti), uma mulher com Down, o que, entretanto, não a impede de ser independente e determinada. Ela perde a mãe inesperadamente e precisa lidar com a vida a partir disso. O roteiro é eficaz em abordar a forte ligação entre mãe e filha e o distanciamento que a última tem do pai. Nesta frágil situação, ambos precisam aprender a se comunicar um com o outro e passar pelo estágio de luto. Para isso, a obra se divide em superação do luto e uma Road trip que funcionam para evidenciar a jornada de autoconhecimento deles e o aprofundamento de sua relação.

O respeito de Bondi por sua musa

A maneira como Bondi apresenta Dafne é respeitosa e carregada de parceria e estima de colegas de trabalho. Em nenhum momento a condição genética da personagem torna-se o centro da trama, pelo contrário, o espectador está diante de uma protagonista que segura o filme.

As escolhas de direção e fotografia evidenciam a confiança e parceria do diretor e Raspanti. A câmera está sempre acompanhando a atriz e lhe oferece liberdade para incluir diálogos e gestos que oferecem um tom mais orgânico a sua atuação. Dessa forma, Dafne se mostra uma mulher livre, espontânea e sarcástica.

Superação Vs. embate

Em contraponto à personagem principal, está Luigi, seu pai (Antônio Piovanelli). A primeira parte da projeção deixa nítido o quanto a personalidade de pai e filha são opostas e como isso dificulta a relação deles. Dafne possui um temperamento forte e destila comentários sinceros e sagazes as pessoas ao seu redor, e, quem sofre mais a retaliação dela é o pai. O comportamento depressivo e relapso que este assume durante a fase de luto a incomoda e, mais uma vez, a direção é precisa em evitar sentimentalismo e um tom piegas.

Para essa construção, a fotografia de Piero Bassi é essencial. Ele capta os personagens de costas, distantes em planos abertos e utiliza, também, as molduras dos cômodos da casa para transpassar a sensação de estarem enclausurados dentro de caixas, conforme o discorrer da narrativa. Essa ambientação alimenta a percepção de que Luigi e Dafne lidam com a perda como se fossem combatentes, nunca vítimas. E o mais interessante é que, diante do luto e da ausência de alguém tão amado, quem se torna o esteio familiar é Dafne. Ela se mostra mais independente, forte e necessária ao pai do que ele a ela.

Trocas, Parcerias e Química

Há muita química entre Raspanti e Piovanelli e parte dela está baseada no entendimento de seus personagens e na troca que estes realizam em cena. O ator acerta em colocar, por meio do silêncio e de pequenas expressões, o temor que o pai tem de se aproximar da filha, ao mesmo tempo em que almeja construir uma boa relação e participar da vida dela. Enquanto isso, Raspanti demonstra despojamento e equilíbrio ao apresentar uma personagem que se vê dividida entre seguir sozinha ou ser a fortaleza de seu velho pai. Ambos atuam de forma gentil e enérgica. Conferindo o tom que o projeto de Bondi precisava.

“Dafne” é um filme sensível que mostra muito mais que uma jornada de superação. Para a narrativa, o mais importante é o afeto e a proximidade com as pessoas, um verdadeiro drama familiar que se ancora nos laços construídos e na sensação de pertencer a alguém. Tudo isso de forma singela, encantadora e emocionante.