Filmes de cachorro costumam trazer consigo a promessa de choradeira e com “Dog – A Aventura de uma Vida” não foi diferente. Ao final da sessão, os críticos na cabine de imprensa em que eu estava permaneceram todos em silêncio; enquanto os créditos subiam e as luzes da sala ao pouco voltavam à vida, ninguém ousava se mexer. Eu me perguntava o porquê daquela imobilidade quase religiosa quando fungadas ao meu redor começaram a ecoar, mais e mais alto: boa parte dos presentes estava chorando. 

De minha parte, sou maior partidário dos gatos do que dos cachorros – o que não significa que “Dog” não seja um filme eficaz. Aqui, temos um longa conduzido com segurança pelo estreante na cadeira de direção, Channing Tatum (ao lado de Reid Carolin, que escreveu o roteiro). Os diretores tomam as rédeas da história de forma tranquila e sem invenção de moda – tudo tão relax quanto as canções country e folk que permeiam a trilha sonora. 

Entre o cômico e o dramático

Quando o filme começa e, ao som de acordes maiores de violão, as fotos da cadela Lulu pipocam na tela – uma pastora belga do Exército dos EUA –, é impossível não abrir um sorrisão. O clima leve permanece ao longo da trama, que acompanha o veterano Briggs (Tatum), um poço de estresse pós-traumático que se recusa a aceitar a vida de civil, em uma missão que lhe servirá como bilhete de volta à elite armada: levar a cadelinha Lulu, uma fera também traumatizada após anos de guerra, ao funeral de seu antigo dono, um soldado do esquadrão de Briggs. A partir daí, tem início um road movie com direito a muitos pores-de-sol assistidos do capô do jipe de Briggs. 

Trauma, guerra, funerais: coisa da pesada, percebe-se – e “Dog” transita entre passagens cômicas e momentos chorosos de lei. Digo isso não como demérito: se, por um lado, Tatum parece ter aprendido muito com a secura clínica de Steven Soderbergh (com quem fez diversos filmes na última década), ele também se permite, por outro, abraçar o lado sentimental de sua história de uma forma que o sempre frio Soderbergh jamais poderia. 

Quando é hora de explorar o lado sombrio dos personagens, o filme não titubeia: Briggs e Lulu são de espécies diferentes, mas ambos têm em comum o treinamento que os transformou em máquinas de guerra. A sequência na plantação de maconha, por exemplo, ilustra o modo como o protagonista alterna entre um assassino treinado e um sujeito gente boa em segundos. A cadelinha Lulu também tem um momento similar, quando ataca um hóspede em um hotel.

 Todos os olhos em Tatum

Channing Tatum, no centro do filme, é uma presença formidável. Nunca um ator muito expressivo, o astro encontrou sua especialidade nestes tipos brutamontes que, à primeira vista, parecem tão engessados quanto versões em tamanho real do Max Steel, mas nos quais o ator injeta uma afabilidade tocante e quase infantil. 

Note, por exemplo, a risada meio estridente neste filme ou, para citar o papel que o alavancou definitivamente, os olhinhos de cachorro pidão ao final de “Magic Mike”. Delicado, mas com um quê de frat-boy; sisudo, mas disposto a tirar sarro de si mesmo: quando bem utilizado, é muito difícil não se deixar levar pelo carisma de Tatum. (O oposto ocorre quando ele aparece num filme de drama com D maiúsculo, como “Foxcatcher” – filme de prestígio e respeito, muito obrigado. Ali, aquele beicinho de tristeza só faz a gente dizer, em tom condescendente: “Ah, olha só pra ele! Ele tá atuando!”). 

Não espere assistir à reinvenção da roda aqui. tampouco pense que terá a vida transformada na sala de cinema: tendo assistido ao filme duas semanas atrás, “Dog” já começa a desvanecer na minha memória. É tudo muito correto e sem surpresas, é verdade – mas, às vezes, a melhor pedida é aquele prato já conhecido, muito bem executado e com todos os ingredientes na medida certa. Lencinhos descartáveis talvez sejam necessários.

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