Para quem não sabe, é melhor dar uma informação logo de cara: Brian De Palma já renegou seu filme mais recente, o suspense Domino. O cineasta, um dos grandes nomes da Nova Hollywood dos anos 1970; realizador de Carrie, a Estranha (1976), Vestida para Matar (1980), Scarface (1983) Os Intocáveis (1987) e outros filmes marcantes das ultimas décadas; mestre do suspense; discípulo de Alfred Hitchcock e amante do cinema; já disse em algumas entrevistas que Domino demorou para ser lançado, que ele perdeu o controle sobre a produção, que os produtores basicamente remontaram o filme na sala de montagem.

Ok, tudo bem… Mas até onde isso exime De Palma de responsabilidade sobre o filme? Porque, sinceramente, Domino é um daqueles filmes raros: nele nada realmente se aproveita, é uma obra muito insossa, sem inspiração, ruim. Parece até que foi dirigida pelo irmão gêmeo do mal e genérico do diretor, Bran De Palma – uso o nome “Bran” porque Domino tem ligações com Game of Thrones…

Na trama, escrita por Petter Skavlan, Nikolaj Coster-Waldau – o Jaime de Game of Thrones, numa atuação meio canastrônica – vive um policial de Copenhague chamado Christian, que um dia, acompanhado do parceiro, topa com um perigoso terrorista. Toda a trama do filme começa porque Christian esquece sua arma em casa justamente quando está indo checar um suspeito – aparentemente o senhor Skavlan acha boa ideia o herói da sua história cometer logo no início uma burrada que o Mahoney e seus companheiros da Loucademia de Polícia não cometeriam. Tá bom…

No entanto, com boa vontade até poderíamos deixar passar esse problemão de roteiro… Se o diretor do longa não fizesse questão de enfocar com destaque a arma de Christian ficando para trás num longo plano plongée, de cima para baixo, o que acaba ressaltando a burrice do personagem. E do roteiro. É, De Palma, era melhor mesmo ter assinado como “Bran”…

Enfim, Christian depois se une a uma agente anti-terrorismo, Alex (vivida por Carice Van Houten, a Melisandre de Game of Thrones, perdida no filme) para caçar uma célula terrorista que está preparando um atentado em solo holandês. Porém, há também um jogo duplo envolvendo um dos terroristas e um agente sombrio da CIA (Guy Pearce).

A trama até poderia ser interessante, mas acaba não sendo. Visivelmente picotado durante a sua breve uma hora e meia, em Domino não existe profundidade, há desenvolvimentos na trama que não dão em nada e a impressão de que cenas ficaram faltando, além de um final abrupto. A trilha sonora de Pino Donaggio, colaborador frequente de De Palma, até tenta criar tensão, mas não consegue. O fato de ela tocar por todo o filme, como uma muleta dramática, contribui também para o clima de indiferença que Domino desperta por toda a sua duração.

CONSTRANGIMENTO TOTAL

Mas o que mais decepciona mesmo é a decadência do velho mestre. É triste ver algumas cenas desse filme e se lembrar do velho De Palma, que conseguia criar, com sons e imagens, momentos memoráveis em seus filmes mesmo quando os roteiros não eram lá tão bons. Domino parece um telefilme de uns 20 anos atrás. Algumas cenas de luta, filmadas em planos abertos preguiçosos, são de passar vergonha. Outro momento embaraçoso é a cena bizarra em que alguns terroristas veem o resultado do seu atentado e repetem “Alá é grande” sorrindo como vilões caricatos de qualquer filme bocó de ação.

De Palma revisita algumas de suas obsessões e marcas registradas no filme: Há vários planos filmados com split diopter, deixando em foco dois personagens que estão em diferentes distâncias da câmera; e também a cena de um ataque no tapete vermelho de um festival de cinema, filmada com a tela dividida ao meio mostrando o ponto de vista da assassina. No entanto, até esses momentos parecem paródia, como uma banda cover tentando reproduzir as notas de um som maneiro, mas sem conseguir tocar a melodia.

A respeito desses momentos, é triste dizer: infelizmente, não se pode pôr tudo na conta de interferência de produtores. Assim como na sequência climática, com Donaggio musicando um bolero meio chinfrim, sem conseguir recriar a empolgação da cena do roubo de Femme Fatale (2002), e De Palma fazendo referência a si mesmo e seu inesquecível clímax de Um Tiro na Noite (1981), seu melhor filme, mas só passando vergonha no processo. No início, ele faz referência a Um Corpo que Cai (1958) de Hitchcock, também.

Sim, Domino é um desastre para todos os envolvidos. Sim, o filme foi remexido contra a vontade do diretor. Ainda assim, é muito deprimente – pois me considero grande fã do cineasta – perceber que parte considerável da culpa recai sobre o próprio Brian De Palma. Já faz um bom tempo que ele não faz um filme realmente bom – o último foi Guerra Sem Cortes (2007), há mais de uma década, e sua carreira já cambaleava antes disso. O afastamento de Hollywood e a ida para a Europa prometiam uma possibilidade de recomeço para ele, mas ela não se concretizou. O tempo é inclemente com diretores de cinema: muitos envelhecem mal, perdem sua visão. Um Martin Scorsese ou um Clint Eastwood, capazes de fazer grandes filmes já na terceira idade, são tipos raros. O que aconteceu com De Palma não é incomum e é triste, embora, claro, não diminua a sua importância como artista. Ele já tem seu lugar no cinema e Domino, sinceramente, não o apagará. Melhor acreditar que hoje existe um Bran De Palma, um cara do qual não nos lembraremos no futuro, e rever Um Tiro na Noite.

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