Se há algo que é difícil de ser respeitado no mundo cinematográfico atual é a memória e o legado do artista. Por isso, ver o legado de Renato Russo e da Legião Urbana sendo absorvido pelo cinema com um grau de respeito e seriedade acaba por fazer a situação inusitada, para não dizer rara. “Eduardo e Mônica” é uma gratíssima surpresa por transpor para tela grande, a essência do romantismo da música ícone da banda, lançada em 1986 e que faz parte do ótimo disco “Dois”.

Dirigido por René Sampaio, que já tinha levado às telas o primeiro filme-canção de Renato em 2013, “Faroeste Caboclo”, a nova “adaptação musical” se sustenta por materializar o conceito romântico do imaginário popular de que “os opostos se atraem” – a principal essência da música de Renato – para um filme de relacionamento verossímil. “Eduardo e Mônica” sabe pincelar as divertidas contraposições de percepções do mundo da letra para construir uma narrativa que expande e enriquece o universo da música, sem se tornar um mero fanservice.

Ainda que contextualize muito bem a trama da música ao mostrar o relacionamento de Eduardo (Gabriel Leone), um jovem de 17 anos imaturo, desligado do mundo a sua volta e que se vê envolvido com Mônica (Alice Braga), uma mulher mais velha, recém-formada em medicina passando por uma crise pessoal em virtude de uma perda dolorosa, a direção de René Sampaio evita limitar este romance sedimentado na Brasília dos anos 80 em um mero videoclipe amoroso, ao propor discussões sobre pautas da época, mas que são ainda bem atuais.

PARA ALÉM DO ROMANTISMO

O que mais surpreende é o quanto “Eduardo e Mônica” trata com a maior sensibilidade a relação entre o casal protagonista, oferecendo a ambos um toque de maior profundidade e humanidade dentro dos arcos dramáticos, sejam juntos ou separados. Isso é muito bem sentido na relação de Eduardo com o avô militar reformado (o sempre carismático Otávio Augusto) e de Mônica com a mãe (Juliana Carneiro), cenas que ajudam a enriquecer as vidas dos personagens, além de serem emocionalmente delicadas.

O filme também não deixa de trazer por trás do subtexto romântico, algumas temáticas apresentadas sob o prisma político, social e de conduta da década de 1980, onde se passa a história, seguindo fielmente a estrutura da música de Renato com direito as citações apaixonadas a Nouvelle Vague, Wim Wenders, as novelas da época (poster da bela Malu Mader no quarto de Eduardo), a poesia de Manuel Bandeira, entre outros.

O roteiro de Matheus Souza alinhada a direção de René adiciona mais drama do que se espera para uma obra desse naipe – quem imagina uma simples comédia romântica clássica vai se surpreender – ao mostrar as dificuldades da diferença de idade, dos gostos pessoais de cada um e os momentos de transição na vida dos dois. Gosto como o texto amadurece a relação entre eles e constrói a percepção de mundo que vai mudando à medida que os dilemas aparecem na história para o casal – algo bem mais nítido em relação ao personagem de Eduardo.

ARTE E AMOR LADO A LADO

A cena do primeiro beijo entre eles e tudo o que transcorre logo em seguida são os momentos mais bonitos do filme. Eduardo e Mônica não deixa de ser também um trabalho que exalta intensamente a arte, seja nas músicas, seja nos filmes, seja nos livros que aparecem em tela e isso se revela fundamental em tempos que nossa cultura vem sendo desvalorizada.

É lógico que apresenta seus problemas: temos os clichês “visuais” do cinema nacional contemporâneo como a fotografia estourada nas cores fortes, a insistente trilha sonora dos anos 80 para mexer com o sentimento nostálgico saudoso do público e o inevitável conflito de separar o casal lá depois da metade para virar aquela básica comédia romântica, deixando o trabalho perder sua dinamicidade por querer se aventurar a uma narrativa mais convencional e que não encontra o melhor tom  para trabalhar o seu melodrama.

Dá impressão que se fosse vivo Renato Russo ficaria imensamente feliz com o resultado de Eduardo e Mônica, afinal sente-se que o filme foi realizado com muita paixão em torno do legado do músico. Por fim, mostra que na relação de Eduardo e Mônica – Gabriel Leone e Alicia Braga, por sinal, estão ótimos em cena – a arte e o amor caminham de mãos dadas.

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