“Ema”, novo filme de Pablo Larraín (“Jackie”) exibido no Festival de Londres, começa em chamas – uma metáfora apropriada para a vida de personagens que parecem entrar em combustão no calor de suas paixões. Longe do seu ambiente costumeiro – o drama histórico -, o chileno entrega um estudo de personagem moderno e cheio de tensão centrado em uma atuação poderosa de Mariana di Girolamo.
Ela interpreta a personagem-título, dançarina cujo casamento com o coreógrafo Gastón (Gael García Bernal) passa por uma crise profunda desde a adoção malsucedida do órfão Polo. Sem nada que lhe sirva de base, ela inicia uma revolução só para conseguir se reaproximar do menino – custe o que custar. A mesma trama poderia servir de base a um filme estilo Supercine, mas Larraín se recusa a apresentar respostas fáceis e o resultado é um filme avant-garde tanto na forma quanto no conteúdo.
Em uma entrevista recente, o cineasta mencionou a existência de um primeiro corte que seu círculo próximo achou incompreensível, depois do qual ele criou a atual versão do longa, organizada em três atos. Enquanto esses atos são perceptíveis, “Ema” se desenrola largamente como um fluxo de consciência, com as cores sensacionais captadas pelo diretor de fotografia Sergio Armstrong dando ares de delírio a toda a ação.
LIBERDADE A QUALQUER CUSTO
No mosaico criado pelo filme, o universo da dança, as paisagens da cidade litorânea Valparaíso e a trilha enérgica – composta por Nicolas Jaar, conterrâneo do diretor – refletem e amplificam o desejo incontrolável da protagonista por liberdade. O roteiro, escrito por Larraín juntamente com Guillermo Calderón e Alejandro Moreno, não se exime de ancorar a história a uma personagem instável e difícil de causar empatia.
O paradoxo de Ema é que ela almeja ser livre quase com a mesma intensidade que deseja ser mãe – e nem sempre esses dois objetivos são compatíveis. Muito de sua verve materna vem com uma vontade de transcender sua turbulência emocional. Sua incapacidade em lidar com o escopo da vida é refletida em sua piromania, a qual ela acaba tragicamente ensinando ao seu então filho adotivo. Como na saga literária infanto-juvenil “Desventuras em Série“, para Ema, o fogo é uma forma de fuga que oblitera o passado.
Diante da infertilidade de Gastón e de um processo de adoção que termina em trauma, ela se vê desesperada e tomando atitudes cada vez mais egoístas e maquiavélicas para conseguir o que quer, sem nenhum tipo de remorso. É evidente que, fora do circuito de festivais, “Ema” terá mais facilidade de cair nas graças do público que embarcar emocionalmente nessas atitudes. Com coragem, Larraín entrega uma de suas melhores obras: um filme tão indomável e indefinível como sua protagonista.